terça-feira, 2 de setembro de 2014

Caetano explica Marina Silva


Estava demorando para Caetano Veloso entrar na campanha política. Nesta semana que passou ele chegou ao assunto na companhia de Gilberto Gil. Os dois voltaram a declarar apoio à candidatura de Marina Silva, desfazendo a confusão em torno de um vídeo de apoio que foi acusado de fraudulento. São depoimentos de vários artistas apoiando Marina na eleição passada. É provável que nenhum desses artistas tenha mudado de posição. E quanto a Caetano e Gil, penso até que a possibilidade de vitória da candidata do PSB estimula-os ainda mais neste apoio. Apesar de cultivarem uma imagem de independência, na prática eles sempre conviveram muito bem com o poder. Antigamente na Bahia era boa a relação de ambos com o grupo comandado por Antonio Carlos Magalhães, que dominou aquele estado desde a época da ditadura. Gil já esteve próximo do governo de Fernando Henrique Cardoso e foi ministro de Lula. Os dois aparecem como artistas aguerridos, mas a verdade é que jamais cortam em absoluto os laços com o poder.

Eles tiveram também um papel nada libertário na polêmica recente sobre a liberdade de publicação de biografias. Ambos eram pelo poder de censura de biografados e herdeiros. E quanto a seus interesses, Caetano e Gil sabem lidar muito bem também com os mecanismos governamentais de financiamento. Eles mantêm com habilidade a imagem de artistas com o pé na estrada, mas administram muito bem a sustentação econômica de suas carreiras pelos gabinetes oficiais.

E disso faz parte também uma certa teatralidade para lidar com a política. Agora, Caetano tinha que trazer ao debate uma opinião fora de propósito, daquele jeito dele, quando busca mais um tom autoral na análise, sem respeitar o contexto do fato. Gilberto Gil costuma ir também por esse caminho, mas desta vez ele ainda não deu ao fenômeno Marina nenhuma explicação no terreno da física quântica.

No último sábado, Caetano postou em sua página do Facebook um texto onde diz que a vitória de Marina representaria a "chegada de evidentes fenótipos negros no posto da Presidência da República". E ele ainda diz que a chegada dos tais fenótipos "não é pouco". É sua forma esquisita e já bastante manjada de encarar a política. No mesmo texto ele lembra que chorou na cabine eleitoral "no momento Lula". As aspas é porque esse "momento Lula" vem literalmente dele. É uma declaração que deixa claro que não se deve esperar do cantor uma visão equilibrada de política. Lá vem ele novamente forjando uma imagem. Chorar na cabine eleitoral na eleição de um presidente é coisa de tiete populista. E se ele chorou na hora do voto no Lula, quando apareceu o mensalão era para ter cortado os pulsos. Mas não espere coerência do Caetano.

E agora ele vem com essa de "fenótipos negros", trazendo traz um componente racial que não faz sentido na candidatura de Marina. Isso é coisa só da cabeça dele. Na sua manifestação de apoio ele cita também o fato da candidata ser mulher. Quando alguém vem com essa conversa de gênero como um grande diferencial na política, basta lembrar ao manipulador da existência de Margareth Thatcher. E também já tivemos esse papo por aqui. O PT fez uso disso na eleição passada. No caso de Dilma era uma fraude marqueteira e a carreira de Marina não tem sido impulsionada por ela ser mulher. Sua atuação como ambientalista foi que primeiro atraiu a atenção sobre o que ela tinha a dizer na política brasileira. Depois vieram outros elementos de sustentação de seu crescimento, todos relacionados muito mais à forma tradicional da política do que a viagens pseudo criativas de um artista. Marina ficou oito anos no governo Lula e antes disso foi senadora de um partido altamente profissionalizado. E depois de tudo isso, houve a interferência do destino, com a queda do avião que matou Eduardo Campos, o candidato de quem ela era vice-presidente. É forçação encaixar tanto questões de gênero quanto "fenótipos negros" nessa história.

Caetano Veloso sabe de tudo isso. São acontecimento bem recentes que todos nós acompanhamos. Nem é preciso ler nos textos de história, basta recorrer à lembrança. Mas isso não é do interesse do cantor, daí as lorotas, como esta de "fenótipos". Ele é desse jeito. Está sempre surfando numa onda. Antes foi com os black blocs, agora é com Marina. Em vez de contribuir com opiniões sensatas em um debate, numa época muito difícil do nosso país, interessa a Caetano criar lendas. A começar pela lenda dele, é claro.
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POR José Pires

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