quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Alá no samba

Não ia ser fácil a vida do compositor Haroldo Lobo e de Nássara se os dois lançassem hoje em dia uma marcha de Carnaval que estourou em 1941 na voz de Carlos Galhardo e é sempre lembrada como uma grande marca do carnaval brasileiro. Os dois correriam riscos e com certeza Nássara estaria ainda mais em perigo, pois além de ter a co-autoria da música ele era cartunista dos bons e um caricaturista de primeiríssima qualidade. A música é Alá-lá-ô, marchinha carnavalesca contagiante que está aí há mais de 70 anos. Não tem quem não conheça.

Nássara viveu de 1910 a 1996 e tive a satisfação de conhecê-lo no final da década de 80, depois que ele foi redescoberto pelo "Pasquim". Era um tremendo boa praça. Foi um dos maiores desenhistas do Brasil e certamente suas caricaturas estão alinhadas mundialmente com as dos melhores caricaturistas do mundo. Não digo isso como bajulação póstuma, que não sou dessas coisas. A obra de Nássara nesta área foi de fato impressionante. Com poucas linhas ele capturava com uma habilidade admirável o essencial do caricaturado.

Ele desenhava com tiralinhas, um instrumento que era usado na arquitetura e em desenho de plantas geográficas e mapas. O tiralinhas fazia um traço contínuo, sem alterações na espessura. Pelo que sei apenas o Nássara fazia seus desenhos com este instrumento difícil de lidar. A maioria dos desenhistas usava naquele tempo uma pena e a tinta nanquim. E Nássara extraia caricaturas impressionantes de seu singular instrumento de trabalho, em desenhos marcadamente chapados. Numa de suas sacadas, o cartunista Jaguar definiu o trabalho de Nássara dizendo que ele fazia logotipos de pessoas. É mesmo esta a impressão que passam suas caricaturas. Veja na imagem um desenho dele.

E além de excelente caricaturista, como eu já falei, o nosso grande Nássara era um bamba na composição, emplacando além de Alá-lá-ô muitos outros sambas, nos tempos em que o carnaval era mais verdadeiro, como Formosa, Periquitinho verde e Florisbela. Bons tempos aqueles em que uma música falando de Alá causava alegria em vez de confusão. Ouçam no link a gravação original, com Carlos Galhardo. Chega a ser engraçado que agora ouvir uma marchinha galhofeira como esta seja até um ato de resistência, mas graças ao terrorismo islâmico é desse jeito tragicamente idiota que vem girando o mundo.
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POR José Pires

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