terça-feira, 13 de novembro de 2007

O rei que mandou Chávez se calar quer também calar a imprensa
Com a repreensão ao presidente Hugo Chávez durante a reunião Ibero-americana o rei Juan Carlos virou estrela mundial, simbolizando um cala-boca ao autoritarismo do venezuelano, mas em casa o monarca espanhol enfrenta um sério problema que pode manchar seu suposto liberalismo.

A censura à revista de humor El Jueves e o processo contra os dois autores de um cartum publicado na edição de julho último (que foi apreendida nas bancas) teve uma péssima repercussão para a monarquia espanhola. Os autores são o desenhista Guillermo Torres e o roteirista Manel Fontdevilla. Ontem os dois foram também condenados a uma multa.

A piada publicada na capa da revista se refere a recente lei espanhola que beneficia com 2.500 euros pelo nascimento ou adoção de uma criança, conhecido como “cheque-bebê”. A revista apresenta o príncipe e a princesa de Astúrias fazendo sexo na famosa e internacional posição do “cachorrinho” enquanto o príncipe diz: "Você se dá conta que, se ficar grávida... isto vai ser o mais próximo a trabalhar que já fiz na minha vida!”

É um bom cartum, na velha linha de escárnio dos semanários franceses como o humorístico Charlie-Hebdo. Mas os franceses já se livraram da realeza há séculos e a Espanha convive com esta excrescência política em pleno século XXI.

O diário britânico The Times interpreta a apreensão da publicação e o processo contra os dois cartunistas como um sinal do desgaste da figura do rei. A investida da Coroa contra a liberdade de expressão também faz lembrar os recentes ataques de fundamentalistas islâmicos contra a imprensa ocidental no episódio da publicação de charges com a figura de Maomé.

O jornal considera que a decisão judicial de apreender o número da revista teve “o efeito contrário, colocando uma pouco conhecida publicação no centro da atenção internacional e provocando um debate nacional”. A censura à revista também reavivou o forte republicanismo espanhol.

Um professor de História Espanhola, Alejandro Quiroga, ouvido pelo The Times disse que "na sociedade espanhola sempre houve um forte republicanismo, mas até agora não havia sido tema político". E agora, segundo ele, está sendo cada vez mais.

A decisão da Justiça Espanhola, que condenou ontem os dois autores a uma multa de 3.000 euros deve esquentar o debate e desgastar ainda mais a realeza espanhola. E no centro da discussão política estará sem dúvida a liberdade de expressão, uma conquista que custou muito aos espanhóis. A apreensão da revista e a condenação dos dois humoristas traz de volta a lembrança dos tempos negros da censura do ditador Franco, figura a que, de certo modo, a história de Juan Carlos é bastante ligada.

O despacho do juiz, que explicou que a mensagem da condenação é a de que teria sido ultrapassado limites “a que não se deve chegar”, também é bastante carregado de autoritarismo.

A sentença rebaixa a quantia de multa solicitada pelo acusador, Miguel Angel Carballo. Ele chegou a pedir 6.000 euros para cada um dos humoristas. A posição de Carballo é a de monarquista empedernido.

Em suas declarações ele cria uma estranha simbiose política entre a Espanha e a Coroa, vendo no “desprestígio” desta última o “desprestígio da própria nação”. Carballo tem uma linha de pensamento bastante subserviente à realeza que, para ele, é um símbolo nacional inatingível. “Se nós não respeitamos os nossos próprios símbolos e instituições, como vão nos respeitar no estrangeiro?”, ele perguntou, buscando confundir claramente a liberdade de crítica com o aviltamento das instituições.

Já o advogado de defesa, Jordi plana, assinalou que o cartum processado foi uma “interpretação metafórica” de uma realidade e, além do mais, tratava-se de um desenho que “nem rouba, nem mata, nem extorque”. A defesa afirmou também que em uma sociedade democrática “nada ou ninguém, instituição ou pessoa, pode estar livre da crítica ou piada, por grosseira que seja”.
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POR José Pires

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