quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Um país onde o mal prevalece
Dois textos publicados hoje na imprensa brasileira se interpenetram, mesmo estando os dois autores distantes em estilo e posicionamento políticos. O encontro de ambos é na exposição de um drama que parece não comover os brasileiros e evidentemente pouco interessa aos políticos e autoridades do país. É a tragédia histórica e cotidiana que se abate sobre os indígenas.

Um deles é a coluna do excelente Janio de Freitas que fala sobre a triste situação dos xavantes, que vão começar a receber o Bolsa Família. Seu texto saiu na Folha de S. Paulo de hoje. Este povo, que o jornalista visitou para uma reportagem na década de 60 e que na época eram tão saudáveis que não tinham sequer uma cárie nos dentes, hoje precisa da esmola do governo federal para atenuar seu estado de fome e subnutrição.

Freitas traz à memória as Unidades Sanitárias Aéreas, projeto criado por Noel Nutels – que o jornalista com toda a razão qualifica de “especialíssima figura”. Era uma obra do governo JK em que uma equipe formada por clínico, dentista, oftalmologista e outras especialidades ia até as tribos indígenas estudar suas condições de saúde. Segundo o jornalista, os especialistas encontraram nos índios, entres eles os xavantes, uma saúde de “perfeições humanas muito mais completa e difundida do que se podia imaginar”.

A “civilização” acabou com suas florestas, seus rios e até empesteou o seu céu. E hoje eles estão em situação tão lastimável que até precisam do Bolsa Família para amenizar o estrago.

Outro veículo da mídia em que a situação dos índios surgiu hoje como má notícia nada surpreendente, mas de qualquer modo revoltante, foi em O Globo. Foi também uma colunista, a jornalista Miriam Leitão, que escreveu sobre o drama vivido pelos terena, os guarani e os caiuá no Mato Grosso do Sul. O texto da jornalista, que é uma profissional experimentada, tem um título que é um misto de ironia e também do desalento que abate a todos neste país sem conserto: “Por que é assim?”

Na usina Debrasa, no Mato Grosso do Sul, a fiscalização encontrou 820 indígenas trabalhando em situação degadante. Como a maior parte das usinas de cana-de-açucar do Brasil, a Debrasa está nas mãos de uma família. Este setor é dominado por dinastias. O usineiro atual, José Pessoa de Queiroz Bisneto, é da quarta geração.

Naquela região, também há gerações, os indígenas vem perdendo terra. Acabaram confinados em uma área tão pequena que não conseguem produzir. Por isso trabalham no corte de cana-de-açúcar.

Na usina Debrasa há indícios até de racismo em relação aos indígenas, pois eles eram tratados de forma inferior aos outros trabalhadores. Quem contou para a jornalista foi o procurador Jonas Moreno, que participou da ação fiscalizadora. Ele disse também que documentou, fotografou e filmou tudo “para ninguém dizer que não foi assim”.

Sobre o tratamento que davam aos índios na usina, o procurador afirmou o seguinte para Miriam Leitão: “Eles tratavam os trabalhadores não índios bem melhor que os indígenas. Os não índios tinham refeitório, a comida era melhor; os índios comiam em marmita que praticamente só tinha arroz. Ficavam em alojamentos superlotados, onde fazem suas refeições noturnas perto das fossas sanitárias. Moscas que circulavam nas fossas pousavam na comida”. Entendemos que o almoço seja em marmita, no campo, mas por que não haver refeitório para eles no jantar? Por que a discriminação?”

Notem que mesmo entre os trabalhadores de um setor notório pelo descumprimento de normas trabalhistas básicas – onde a fiscalização trabalhista e a polícia chegam a encontrar trabalhadores em condições parecidas com a de escravidão – os indígenas estão por baixo.

O grupo que domina a Debrasa, segundo uma reportagem da revista Dinheiro Rural de junho deste ano, está entre os dez maiores produtores de açúcar e álcool do Brasil e tem capacidade de moer sete milhões de toneladas de cana por ano. “Por que é assim?”, pergunto eu.

Em sua coluna, Janio de Freitas fala de uma “vastidão de miséria negra e branca”, da qual inevitavelmente os indígenas não poderiam escapar. Concordo plenamente. Mas o infortúnio indígena é de um peso imenso, bem maior do que o que pesa sobre nós, os não-índios. Somos unidos pela miséria causada pelo descaso e pela má-fé, que andam sempre junto por aqui e fazem um estrago danado, mas os indígenas estão até sendo exterminados como povo.

E indígenas não servem nem para a demagogia, já que não têm movimentos políticos ativos – como os dos negros, por exemplo – e nem são um grupo social influente eleitoralmente. Para eles só resta contemplar os brancos, negros e amarelos enquanto se acabam na miséria.
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POR José Pires

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