Passando os olhos pela Folha de S. Paulo, naquela olhada que a gente dá na pilha de jornais que sobrou no fim de semana, encontro um texto de Carlos Heitor Cony, que escreve às sextas-feiras meia página na Ilustrada. Não sou um seguidor do autor, mas sempre que dou de encontro com algum texto seu na Folha tenho a impressão de que ele estava sem assunto na hora de escrever.
E aí ele parte para aquele manjado estilo da crônica em torno da falta de assunto. Rubem Braga era bom nisso. O Cony não é. Falta nele o desprendimento natural necessário para tanto.
Neste texto, seu assunto – ou falta de – são as retrospectivas de fim de ano, coisa chata de ser feita hoje e com certeza pior ainda em tempos anteriores ao computador. Disso ele vai para outra questão chata para qualquer um e ainda mais para os jornalistas, que é a obrigação de encontrar assunto no início do ano.
E conta sobre uma vez em que criou um vidente cego. Veja bem: ele era editor de uma revista e simplesmente criou um personagem para o qual deu nome – Allan Richard Way, segundo ele – e inventou as previsões.
Cony não revela o nome da revista onde fazia essa enganação, mas pode muito bem ser a Manchete, publicação semanal que competia com O Cruzeiro. Há um certo romantismo em torno das duas, mas não se engane: eram duas belas porcarias. Na Manchete, que foi publicada de 1952 a 2000 pela editora Bloch, ele tinha o maior prestígio. Chegou a ter inclusive coluna própria, duas ou três páginas onde escrevia o que quisesse, além de escrever os textos que eram assinados pelo dono da revista, Adolpho Bloch. Isso mesmo: Cony escrevia e o Bloch assinava.
Não sei se Cony inventou um “Estilo Bloch de Escrever” ou se fazia do jeito que viesse na hora, mas o fato é que durante anos viveu esta farsa. E até hoje ele é agradecido a Adolpho Bloch, por julgar que o editor o salvou do suposto desemprego ao qual seria forçado pelas pressões da ditadura militar. Pense em alguém vil, uma criatura sem escrúpulos como dono de jornal, revista ou mesmo de uma televisão qualquer. Pois o Bloch, que foi dono de revistas e de televisão, é pior que esse sujeito. E o Cony afirma que se salvou da ditadura na companhia desse tipo.
Mas o Cony contava sobre o texto que inventou para iludir os leitores da revista em que trabalhava. Criou uma reportagem em que o personagem – falso evidentemente – era até entrevistado. E ele discorre na Folha sobre este fato ocorrido há muitos anos com um ar ingênuo, tratando uma trapaça jornalística como acontecimento pitoresco, bacana até, um leve assunto de crônica para o desfrute do leitor.
Não é o que ele queria, mas acabou contando a história do início da formação da imprensa brasileira, quando a trapaça e o engodo ao leitor, assim como a bajulação dos poderosos, eram norma quase absoluta. E esse espúrio passado que Cony descreve como uma nostalgia inocente é em parte responsável pelo que somos hoje.
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POR José Pires
E aí ele parte para aquele manjado estilo da crônica em torno da falta de assunto. Rubem Braga era bom nisso. O Cony não é. Falta nele o desprendimento natural necessário para tanto.
Neste texto, seu assunto – ou falta de – são as retrospectivas de fim de ano, coisa chata de ser feita hoje e com certeza pior ainda em tempos anteriores ao computador. Disso ele vai para outra questão chata para qualquer um e ainda mais para os jornalistas, que é a obrigação de encontrar assunto no início do ano.
E conta sobre uma vez em que criou um vidente cego. Veja bem: ele era editor de uma revista e simplesmente criou um personagem para o qual deu nome – Allan Richard Way, segundo ele – e inventou as previsões.
Cony não revela o nome da revista onde fazia essa enganação, mas pode muito bem ser a Manchete, publicação semanal que competia com O Cruzeiro. Há um certo romantismo em torno das duas, mas não se engane: eram duas belas porcarias. Na Manchete, que foi publicada de 1952 a 2000 pela editora Bloch, ele tinha o maior prestígio. Chegou a ter inclusive coluna própria, duas ou três páginas onde escrevia o que quisesse, além de escrever os textos que eram assinados pelo dono da revista, Adolpho Bloch. Isso mesmo: Cony escrevia e o Bloch assinava.
Não sei se Cony inventou um “Estilo Bloch de Escrever” ou se fazia do jeito que viesse na hora, mas o fato é que durante anos viveu esta farsa. E até hoje ele é agradecido a Adolpho Bloch, por julgar que o editor o salvou do suposto desemprego ao qual seria forçado pelas pressões da ditadura militar. Pense em alguém vil, uma criatura sem escrúpulos como dono de jornal, revista ou mesmo de uma televisão qualquer. Pois o Bloch, que foi dono de revistas e de televisão, é pior que esse sujeito. E o Cony afirma que se salvou da ditadura na companhia desse tipo.
Mas o Cony contava sobre o texto que inventou para iludir os leitores da revista em que trabalhava. Criou uma reportagem em que o personagem – falso evidentemente – era até entrevistado. E ele discorre na Folha sobre este fato ocorrido há muitos anos com um ar ingênuo, tratando uma trapaça jornalística como acontecimento pitoresco, bacana até, um leve assunto de crônica para o desfrute do leitor.
Não é o que ele queria, mas acabou contando a história do início da formação da imprensa brasileira, quando a trapaça e o engodo ao leitor, assim como a bajulação dos poderosos, eram norma quase absoluta. E esse espúrio passado que Cony descreve como uma nostalgia inocente é em parte responsável pelo que somos hoje.
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POR José Pires
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