Ainda há tempo para uma última retrospectiva? Não temam, não é nada longo. Ao contrário, é até bem sintético e certamente um dos textos mais úteis publicados na imprensa no ano passado aqui no Brasil. Devia ser objeto de meditação obrigatório de cada brasileiro pelo conteúdo desmitificador do hábito nacional de tratar de modo extraordinário e elevar às alturas aquilo que não passa de obrigação básica.
É uma entrevista publicada pela Folha Online em novembro com o virologista Robert Gallo, um dos descobridores da AIDS, doença sobre a qual o Brasil ostenta o estranho orgulho de ter estabelecido um programa de combate que seria um “modelo” internacional. É isso que Gallo refuta, com respostas categóricas e muito interessantes, menos pela questão da doença, mas pelo ataque preciso à gabolice crônica que até se tornou uma plataforma de governo com Lula como presidente da República.
Destaquei da entrevista o trecho que aponta um dos mais graves defeitos deste país e que não deve ser tratado de modo pitoresco. É o tom excessivamente elevado no auto-elogio – o melhor nisso, o melhor naquilo – que sempre vem junto com a proporcional falta de profundidade e equilíbrio na análise e resolução dos problemas nacionais.
Uma boa idéia seria que este trecho fosse lido no início de cada sessão do Congresso Nacional, saísse todos os dias publicado no Diário Oficial, afixado em todas as repartições públicas e embaixadas no exterior, nas escolas e universidades e também nos locais de trabalho das empresas privadas. E, para fixar melhor o assunto na cabeça do brasileiro, fosse ajuntado ao tradicional boa noite do final do Jornal Nacional. No momento da despedida, o apresentador do JN diria também: e não esqueçam da entrevista do Robert Galo.
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POR José Pires
É uma entrevista publicada pela Folha Online em novembro com o virologista Robert Gallo, um dos descobridores da AIDS, doença sobre a qual o Brasil ostenta o estranho orgulho de ter estabelecido um programa de combate que seria um “modelo” internacional. É isso que Gallo refuta, com respostas categóricas e muito interessantes, menos pela questão da doença, mas pelo ataque preciso à gabolice crônica que até se tornou uma plataforma de governo com Lula como presidente da República.
Destaquei da entrevista o trecho que aponta um dos mais graves defeitos deste país e que não deve ser tratado de modo pitoresco. É o tom excessivamente elevado no auto-elogio – o melhor nisso, o melhor naquilo – que sempre vem junto com a proporcional falta de profundidade e equilíbrio na análise e resolução dos problemas nacionais.
Uma boa idéia seria que este trecho fosse lido no início de cada sessão do Congresso Nacional, saísse todos os dias publicado no Diário Oficial, afixado em todas as repartições públicas e embaixadas no exterior, nas escolas e universidades e também nos locais de trabalho das empresas privadas. E, para fixar melhor o assunto na cabeça do brasileiro, fosse ajuntado ao tradicional boa noite do final do Jornal Nacional. No momento da despedida, o apresentador do JN diria também: e não esqueçam da entrevista do Robert Galo.
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POR José Pires
A entrevista com Robert Gallo
Folha Online - O programa brasileiro de combate à Aids é visto como um modelo nessa área...
Robert Gallo - Não fique tão orgulhoso. Vocês não são um modelo.
Folha Online - Por quê?
Gallo - O que vocês estão liderando, que caminho estão apontando? O Brasil trata seu povo, assim como os Estados Unidos. Qual é o modelo? Modelo para quem? Eu não entendo...
Folha Online - Talvez porque o tratamento é gratuito e atinge um grande número de pessoas, além de a epidemia estar razoavelmente controlada aqui.
Gallo - Todos são tratados na Suíça, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra, no Canadá. Por que vocês seriam um modelo?
Folha Online - Então o senhor não concorda com isso?
Gallo - A realidade é o seguinte: quando você diz que é um modelo, está implícito que todo mundo deve seguir você. Mas a maioria dos países já faz isso [tratar gratuitamente os pacientes com Aids]. Apenas países que são muito, muito pobres não fazem isso. Vocês são modelos para quem? Se você quer saber se o Brasil está fazendo um bom trabalho com respeito ao tratamento contra a Aids, eu digo que sim. E isso é ótimo, maravilhoso. Mas se você diz que o Brasil é um modelo, isso significa que vocês são uma lição para mim. Por que vocês seriam uma referência para mim? Talvez sejam um modelo para a África do Sul, para alguns países, mas não para o mundo inteiro, já que a maioria dos países realmente trata seus pacientes com Aids.
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