sexta-feira, 30 de maio de 2008

Agora vai

Vejam só essa: "É difícil explicar para o pessoal lá. Não, vem cá. É para falar com o Paulinho? Eu mesmo falo com ele e levo pra ele". Aí, o João [Pedro de Moura] ficou preocupado. O Paulinho ia saber da verdade total, né? O Paulinho ia saber que é R$2.600.000. Você acha que ele ia se contentar com... sei lá quanto é que eles iam dar pra ele?

Essa é uma parte da conversa entre o empreiteiro Manuel Fernandes de Bastos Filho, o Maneco, e Bóris Timoner, prestador de serviços para as Lojas Marisa, dois dos integrantes do esquema que intermediava a liberação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Eles foram flagrados em escuta telefônica feita pela Polícia Federal enquanto conversavam sobre a divisão da propina.

O João Pedro de Moura citado na conversa é o ex-conselheiro do BNDES (caiu quando a trama foi descoberta) e consultor da Força Sindical, presidida pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, citado também na conversa.

Mas algo que me chamou muito a atenção na conversa é o estilo da oratória. Não parece discurso do presidente Lula? É claro que não estou falando do conteúdo da peça, notadamente desonesto, me refiro à retórica do espertalhão. O espertalhão flagrado pela PF, naturalmente.

O texto dos dois tem uma proximidade estiística que daria até uma tese. Até a intimidade no tratamento com um deputado federal e presidente de uma importante central sindical, para eles apenas o Paulinho, lembra bastante o Lula. Aliás, antes do escândalo, quando o deputado era peça importante de sua base político, tenho certeza de que o presidente chamava-o apenas de Paulinho.

Dessa unidade estilística impressionante podem sair estudos sociológicos ou até mesmo de linguagem muito elucidativos. O modo de expressão é o mesmo do Lula, sem tirar nem por, excetuando, é claro, o conteúdo criminoso. Vou destacar mais um trecho e tenho certeza que vocês me darão razão: “Eu falei pro João largar de ser besta e pegar o do Paulinho e levar lá, né?”. Aqui a informalidade até um pouco rude revela uma inteligência intuitiva capaz de criar uma concisão de linguagem bastante expressiva, própria de quem até pode não ter diploma, mas com certeza tem o diploma da vida, da experiência.

E esta outra parte aqui, ó: “É. Porque ele (João Pedro) tá: "ah, o Mantovani..." E eu falei: Larga a mão de ser besta, meu, quem está se valorizando é o Mantovani, assim. E o [Ricardo] Tosto, né?”, me lembrou a presença de espírito do Lula na posse do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Lembram da tirada dele? Foi quando ele disse: “O Minc já falou em uma semana mais do que a Marina falou em cinco anos e meio”. Informal, intuitivo, Lula nem se preocupou com a gravidade da situação − não estava nem aí, pra ficar mais próximo de seu estilo. Mandou ver uma fala bacana, espirituosa, pra desanuviar o ambiente e dar um chega pra lá na péssima repercussão internacional causada pela demissão de Marina Silva.

Mas voltemos à escuta da PF. Noutra parte da gravação, eles até fazem um humor involuntário: “Não dá para trabalhar sem contrato. Você viu quanto esse cara (o prefeito Mourão) malhou da gente, né?” O prefeito citado é um dos integrantes da quadrilha. O problema é que depois de por a mão no dinheiro, ele diminuiu a porcentagem da propina. Essa graça involuntária, ao falar em “contrato” numa transação totalmente ilegal, lembra também algumas das piadas que Lula comete sem querer.

Vejo aí uma unidade social que merece ser melhor estudada. Tem algo novo nisso, e talvez, como Lula diz sempre, algo que nunca aconteceu na história deste país. Reforço, no entanto, o que já falei acima: refiro-me apenas à interessante unidade estilística entre o criminoso e o presidente da República, sem nenhum juízo de valor em relação ao Lula.

Isto pode ser um sinal de que, ao menos no aspecto da linguagem, a separação de classes no País começa a desaparecer. Não se distribuiu a renda, mas ao menos falamos a mesma língua. O criminoso e o presidente revelam isso. Esta universalização da linguagem deve também eliminar sérios preconceitos. É uma uniformização por baixo, é claro, mas é o que temos. O Brasil está encontrando um caminho, de quatro, mas está encontrando um caminho.
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POR José Pires

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