quarta-feira, 25 de junho de 2008

Estrangeiros nativos

Costumo dizer que a resolução dos problemas no Brasil esbarra em questões simples: autoridades políticas, empresários, jornalistas, enfim gente que tem nas mãos senão os instrumentos da mudança, mas ao menos a elaboração crítica para forçar tais mudanças, não usam ônibus nem fazem compras para o uso doméstico, nas feiras ou nos supermercados.

Desse modo não convivem com o dia-a-dia dos demais brasileiros e tomam consciência bem tarde de problemas que, se fossem atacados na origem, não fariam tantos danos. E mesmo quando acordam para a realidade terrível que nos cerca, é sempre como algo que toca com mais gravidade os demais brasileiros, esses que continuam andando de ônibus e indo às feiras e supermercados.

Imagine, apenas como um exemplo, um prefeito e seu secretariado, todo ele, andando apenas de carro pela cidade. Todos sem ver as calçadas arrebentadas, os bairros e os comércios carentes de infra-estrutura, as praças abandonadas, os ônibus insuficientes e serviço de má-qualidade, a carência de espaços públicos para crianças e idosos, e outras questões urbanas que só é possível saber com exatidão vivendo plenamente a cidade. Pois é isso o que acontece. E é claro que perdem a oportunidade de conhecer o lugar em que vivem (ou deveriam viver). Isso só é possível de ser feito andando a pé.

Mas quem anda pelas cidades hoje em dia? Nada. As categorias profissionais mais influentes só observam a cidade através do vidro do carro. E hoje, com os vidros sempre mais escuros, vêem cada vez menos. São estrangeiros em seu próprio país.

Isso explica o espanto demasiado atrasado com a alta do preço dos alimentos. Quem faz compras já convive com esse processo há meses. Detectou a alta dos preços dos alimentos lá atrás. E acredite, quem escolhe o feijão que vai para a mesa sabe que o aumento é bem maior do que o exposto pelo números econômicos que já vem diluídos por metodologias variadas.

Vamos a outro exemplo de como essa convivência ajudaria na resolução de certos problemas pela raiz. Peguemos a violência no Rio de Janeiro, que agora atinge alturas catastróficas. Uma de suas raízes é o sistema clandestino de vans de transporte de pessoas, que surgiu no vácuo do colapso do sistema público de transportes no Rio. A cidade não tem licitação de linhas há trinta anos.

Mas quem é que podia ver tal coisa? Apenas a população pedestre, que sofre com os transportes públicos e não tem os meios e nem o trânsito social necessário para denunciar problemas e cobrar melhores resultados.

Aqueles que poderiam ter influído para cortar lá na raiz coisas como a inflação ou a violência vão de casa ao trabalho − passando pelo boteco ou restaurante, é claro − sempre de carro, sem ver ou viver a cidade e suas questões cotidianas, as belas e as feias. Também não vão à feira, tampouco fazem compras em supermercados. Enfim, fora das atividades sociais ou profissionais, nada vêem de perto, não participam da vida nas ruas da cidade. Vivendo desse jeito, só descobrem a necessidade de tranca depois que ladrão se foi.
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POR José Pires

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