terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Agradecimentos aos lados errados

Isto é Lula. O cara não para. Agora foi no lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, na entrega do prêmio Direitos Humanos 2009. Referindo-se à Inês Etienne Romeu, que foi militante da Vanguarda Popular Revolucionária - grupo armado do qual Dilma Rousseff foi dirigente — o presidente inzoneiro soltou esta: “Minha querida Inês, eu só queria te dizer uma coisa: valeu a pena cada gesto que vocês fizeram. Cada choque que vocês tomaram, cada apertão que vocês tiveram, valeu a pena porque nós aprendemos”.

O mês tem sido quente verbalmente, até para um presidente como Lula que parece não ter comando sobre a própria língua. Esta já é a segunda grande bobagem do mês. Anteontem em um café da manhã com jornalistas, talvez como sempre esquecido de seu papel de presidente da República, ele soltou frases que desrespeitam o Supremo Tribunal Federal. Ele se referia à extradição do criminoso italiano Batistti, que a esquerda brasileira trata como herói na luta pela democracia na Itália, esquecendo-se, de forma oportunista como sempre, que ele cometia seus crimes numa Itália em plena democracia.

Numa retificação feita na última quarta-feira, o STF decidiu anular decisão anterior que concedia ao presidente da República o direito de decidir sobre a entrega de Batistti para cumprir pena por seus crimes na Itália. Agora Lula é obrigado a extraditar o italiano.

Sobre esta nova decisão, ele disse: “Não me importa o que o STF fez. Não dei palpite quando eles decidiram. Não falei nada...”, ele disse, para logo emendar, de bico: “...Agora, se a bola foi passada para mim, eu decido como vou chutar, se de três dedos, de trivela ou como a Marta fez no jogo de ontem".

Bem, é de se perguntar se havia apenas café para beber com os jornalistas. Primeiro, o presidente da República define o STF como “palpiteiro”. Pela sua fala, deve-se entender que os ministros passam seus dias dando palpites. E caberia ao presidente (e a qualquer outro cidadão, já que estamos numa democracia) aceitar ou não o palpite. Sobre a relação entre os Poderes, Lula tem também uma opinião original: esta relação se dá no mesmo nível de uma pelada de futebol.

Lula é renitente em suas bravatas. Ele terá que cumprir o que o STF determina. Se desrespeitar a lei, segue um caminho parecido com outro épico herói lulista, Manuel Zelaya, de Honduras. A única brecha legal manter Batistti por aqui é conceder-lhe o status de perseguido político. Mas aí seria confrontar o Estado italiano. E bravata, como o próprio Lula já externou como experiência pessoal, é apenas isso: bravata.

No caso de Inês Etienne Romeu, Lula trata a tortura como um fator didático. Haveria então um aprendizado naquelas pancadas. Bem, eu não acredito nisso. Nem palmada em criança resulta em aprendizado algum. A fala de Lula é um desrespeito aos que foram torturados no Brasil por motivos políticos e, mais ainda, afronta os brasileiros que sofrem torturas em seu governo como prisioneiros comuns. Pela lógica grotesca de Lula, os milhares de presos comuns que sofrem torturas nas prisões brasileiras estariam então tendo seu aprendizado.

A fala soa também como um agradecimento à ditadura militar. Ora, se aprendemos com a tortura, então foi para o nosso bem.

No embalo, veio outro equívoco, mas este é bem articulado e não é da lavra de Lula. Faz parte da estratégia para inserir a luta armada como um combate pela democracia no Brasil, o que é uma aberração: os grupos armados lutavam para instaurar ditaduras comunistas por aqui, regimes autoritários de variadas linhas ideológicas, mas todos como o mesmo sentido de destruição da democracia. Na verdade os programas revolucionários pretendiam derrubar os militares para instaurar suas próprias ditaduras, todas de alguma forma monitoradas do exterior por regimes comunistas de Cuba, da ex-União Soviética ou da China.

Lula falou o seguinte, ainda referindo-se ao grupo armado do qual fez parte também Dilma Rousseff: “E, na medida em que a gente aprende, a gente garante que não haverá mais retrocesso neste país e isso nós devemos a vocês que lutaram por nós”.

Não é que Lula seja apenas um mal-agradecido. Ele também não sabe a quem agradecer.

Bem, eu penso que o Brasil não deve nada a esta gente. Acho até que eles é que devem aos setores realmente democráticos da oposição o fato de não terem passado por situações piores. E até acredito que se eles fossem vitoriosos a situação seria bem pior do que a ditadura militar, que alguns anos depois entrou em um processo de abertura conduzido em parte por este mesmo setor democrático da oposição, liderado por políticos como Ulysses Guimarães, Severo Gomes, Marcos Freire e tantos outros, o pessoal que fez o antigo MDB, sem o qual, aí sim, não haveria democracia. Esses políticos, aliás, estiveram solidários com Lula até quando ele foi preso como sindicalista.

No entanto, o que Lula faz de forma constante é detratar o que representa essas pessoas que de fato lutavam pela democracia. Sei que ele não pode elogiá-los, pois prejudicaria a tentativa de reescrever a História com a caneta lulo-petista, mas então que ele pelo menos não agradeça às pessoas erradas.
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POR José Pires

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