quinta-feira, 4 de março de 2010

Lembrando de Rubem Braga

Releio, sei lá pela vez que é, o ótimo livro de José Castello sobre Rubem Braga, "Na Cobertura de Rubem Braga". É edição antiga, de 1996. Me vem à lembrança umas crônicas dele e pego seus livros para procurar. Quando vejo, já estou há mais de uma hora lendo Rubem Braga até que alguém me telefona para falar de outro assunto. O livro feito pelo Castello é um daqueles que não exige ir do começo ao fim. Depois de lido e mesmo antes disso, pode-se entrar por qualquer página que a gente encontra sempre um capítulo que permite uma leitura isolada do resto.

Castello escreveu dois sobre Rubem Braga, os dois muito bons. Escreveu também um sobre o poeta João Cabral de Mello Neto, “João Cabral de Melo Neto: O Homem sem Alma”, que é um dos livros mais preciosos já feitos no Brasil. Chega perto do conceito de obra-prima, talvez já seja uma, apesar de que acho que é preciso de um pouco mais de tempo para resolver isso.

Mas estou falando do livro do Rubem Braga, de um deles, de “Na Cobertura de Rubem Braga”, no qual Castello escreve o que lembra uma extensa crônica com este título simples, mas que ao mesmo tempo — e o trocadilho é inevitável — é uma sacada.

De vez em quando me deparo com uma antiga edição de um livro seu (do Braga, é claro) em algum sebo, por vezes uma daquelas brochuras simples da Editora Sabiá, que era também de sua propriedade com alguns amigos escritores, e me vem na alma uma emoção de cronista. E aí me dá a vontade de levar para casa, mesmo já tendo na minha biblioteca um volume igual, algumas vezes até em duplicata que andei comprando em alguma viagem. E lá estou eu com dois livros iguais do Rubem Braga.

(Não é raro que estando em uma cidade estranha me vem a vontade de ler certo livro. Então eu compro e acabo depois ficando com dois livros iguais numa biblioteca que já avança por todos os cômodos da casa.)

Mas a emoção do cronista. O que o cronista tem de bom — e Rubem Braga exalava como ninguém esta qualidade em seus textos — é a capacidade de ver e entender o significado que as coisas aparentemente simples têm para a vida. Para a satisfação de seus leitores, Braga passava isso em cada texto. E quem lê este tipo de coisa desde cedo acaba vivendo bem melhor porque abre os olhos para o que realmente importa.

Logo que conheci seus textos, e isso foi bem cedo, fiquei maravilhado em saber de um escritor maduro e respeitado que gostava das mesmas coisas que eu: riacho, passarinho, nuvens passando, a criança feliz, a conversa amiga, essas coisas simples que, no final, é o que temos de melhor da vida. Eu até ia dizer “é o que sobra da vida”, mas na verdade não é sobra, não. É essência.

Engraçado que nunca conheci pessoalmente o cronista, mas ele é uma das pessoas de quem mais me lembro. Às vezes vejo uma paisagem e me vem à memória a sua cara fechada e penso; “Acho que o Rubem Braga ia gostar disso”. Sei que isso é um sentimento literário, a marca de um escritor muito importante para mim, mas gosto de pensar neste assunto como se fosse também uma grande amizade.

O livro do José Castello acabou dando ao leitor o que ele pretendia, “uma atmosfera” da vida do escritor, que é, no final, o que a gente procura nessas biografias e nunca acha. Em muitas biografias tem muita fofoca, coisas inventadas que o biógrafo acolhe porque quer mais inventar um pesonagem que entender o ser pesquisado. O Castello não faz isso. E o interessante é que ele não gruda em um mito algum, dos tantos que envolvem a figura arredia do cronista. E nem tenta fabricar um. De forma que quando você termina de ler “Na Cobertura de Rubem Braga” não sai com um Rubem Braga do José Castello. O cronista mantém-se ainda íntegro na sua memória. O que você ganha são vários elementos que fortalecem a estrutura deste espaço sentimental.

Castello até escreve que no fim do livro ainda haverá uma grande biografia do Rubem Braga a ser escrita. Pode até ser, até porque falar de gente assim nunca é demais. Mas não é uma dependência deste livro, que serve integralmente ao que pretende, sem nenhuma perna manca que exija outra obra para equilibrar.

Rubem Braga também escrevia bastante sobre artes plásticas, o que também fazia muito bem. Fazia isso juntando a qualidade do cronista com a do apreciador de arte que entendia como poucos do que era de seu gosto. Porque neste campo o cronista só falava do que gostava. Não era sua intenção ser um crítico de arte. Era mais o amante das artes que também entendia muito bem do assunto.

Alguém já juntou estes textos em um livro? Ainda não vi algo assim, mas não é improvável que já tenham feito, pois de vez em quando surge para mim com ar de novidade algum livro que depois vou saber que já foi editado há dois, três anos.

Mas se ninguém ainda fez um livro só com os escritos de Rubem Braga sobre arte, é uma boa pedida. Do meu lado, garanto que compro um exemplar. Ou até dois ou três, dependendo da vontade que surgir numa dessas viagens que a gente faz de vez em quando.

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