segunda-feira, 8 de março de 2010

Puxando pela memória

A cúpula da campanha da candidata do Lula deve estar debruçada sobre o discurso do governador José Serra sobre o centenário de Tancredo Neves. Ali está resumido de forma clara e inteligente a linha de sua campanha para presidente.

O discurso é muito bom, de qualidade rara em nossa política, apesar de que isso não é elogio que se faça, já que nossos políticos falam bem mal e escrevem pior. Mas o elogio ao discurso de Serra é ainda mais válido, já que ele próprio pensa e escreve o que sai de sua boca, coisa raríssima por aqui.

No discurso ele lança uma idéia boa, um resgate histórico do mérito dos que realmente fizeram o Brasil não sair dos trilhos e descarrilar de vez na política e na economia. Serra fechou este período em um ciclo de 25 anos que vem do advento da Nova República para cá.

Em sua fala, o governador paulista cita nomes importantes como Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Teotônio Vilela, José Richa, Mário Covas, Sobral Pinto, Raimundo Faoro e Celso Furtado. Podia puxar mais gente nesta memória, pois são muitos os que se esforçaram para que o Brasil não caísse em desgraça.

É muita gente que ficou para trás e que vem morrendo na memória brasileira, primeiro por incapacidade dos tucanos e da oposição. De nós todos, é verdade. Depois por um trabalho canalha e persistente dos petistas, que enterram tudo que não é parte de seus interesses particulares calcados no partido.

Isso tem dado certo para seus propósitos políticos. Estão com o poder. Muitos deles ficaram ricos em pouco tempo. Mas essa estratégia que eles procuram implantar é um desastre para a construção da memória política de um país como o Brasl, que talvez precise mais que os outros de entender e valorizar o que aconteceu nos últimos trinta anos.

Serra traz de volta estes nomes e dá um realce ao de Franco Montoro, uma das figuras mais importantes da história recente do país e que os tucanos com sua idiotia política nunca tiveram a grandeza de exaltar.

Mas, também não deve ser nada fácil agregar a importância política de um Montoro a um partido liderado nacionalmente por senadores como Sérgio Guerra, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio — este último bastante sumido ultimamente, o que não deixa de ser bom para os tucanos.

Será que um curso de seis meses basta para Jereissati, Guerra e Virgílio entenderem o significado de Franco Montoro? Duvido. E ainda é capaz de um deles alegar que o ex-governador paulista, um dos poucos governadores deste país que foi realmente um Estadista, poderia ter rejeição entre o eleitorado.

Mas voltemos à fala de Serra, que mostra que provavelmente ele irá trabalhar com a memória do que foi feito neste ciclo de um quarto de século, o período exato da Nova República. Com isso pode-se acabar com a mentira que os petistas pretendem aplicar aos eleitores de que os avanços neste país são da autoria exclusiva deles.

A mentira é ainda mais grave porque se dependesse do PT estaríamos em situação bem pior hoje. Mais ainda, o país poderia ter se desencaminhado de vez lá atrás. Não teríamos Nova República, mas sim um Brasil governado pelo Paulo Maluf. Isso se fosse seguida a linha programática do PT na época.

Na foto mais conhecida das diretas, temos no palanque um Lula com ar constrangido, de cigarro na boca para mostrar melhor o nervosismo. Então, para o PT, os que estavam ao lado de seu líder representavam a "oposição burguesa" ou até "da direita".
Pois o PT só entrou na campanha das Diretas Já quando o trem já estava andando. E a Constituição de 88 só tem o jamegão do PT porque Ulisses Guimarães (outro líder importante que as bestas dos tucanos esqueceram) insistiu junto a Lula para que os petistas não contribuíssem para melar um processo político vital para a nossa recente democracia.

A ausência do PT em fatos políticos definidores da nossa história forma uma lista bem grande. É certo que em muitos deles, a ausência de Lula e seus companheiros preencheu uma lacuna. Pelo menos não atrapalharam. Mas isso não os absolve da extrema irresponsabilidade política.

A história mostra que se prevalecesse a vontade política dos petistas, não haveria sequer espaço para uma vitória eleitoral de Lula. Talvez nem para a candidatura. É possível até que nem tivéssemos mais eleições, pois não é difícil supor o que faria um Paulo Maluf como um presidente apoiado na direita militar.

Pelo que se vê, Serra pretende reviver a memória dos políticos que evitaram esta tragédia e contribuíram para tivéssemos um país com um equilíbrio econômico e uma democracia que não é exatamente o ideal, mas em história muitas vezes é necessário raciocinar com o que poderia ter acontecido. E com certeza se essas pessoas não tivessem agido... bem, é bom nem pensar.

Bem, esse é um serviço atrasado dos tucanos. Deviam estar fazendo isso há pelo menos duas décadas. Porém, nunca é tarde para começar.

No discurso, Serra diz que o Brasil de hoje tem a cara e o espírito dos fundadores da Nova República. E elenca as qualidades para sustentar a frase: “senso de equilíbrio e proporção; moderação construtiva na edificação de novo pacto social e político; apego à democracia, à liberdade e à tolerância; paixão infatigável pela promoção dos pobres e excluídos, pela eliminação da pobreza e pela redução das desigualdades”.

Está aí um plano de campanha. Se esta base estivesse sendo trabalhada desde a fundação do PSDB, por certo os tucanos teriam até um partido. O discurso tem a vantagem de não ser meramente retórico. Muito menos marqueteiro. Foi isso mesmo que aconteceu e a maioria dos brasileiros que aí estão viveu estes acontecimentos ou tem alguém ao lado que pode contar como foi.
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POR José Pires

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