A revista Time acaba de soltar a notícia de que elegeu Lula um dos líderes mais influentes do mundo. É coisa de doido. Não só por colocar Lula nessas alturas, como também pelos critérios da escolha, que coloca junto com o presidente brasileiro, por exemplo, Sarah Palin (9º lugar), J.T. Wang (2º lugar) presidente da Acer, de Taiwan, Jon Kyl (11º lugar), senador norte-americano e Tidjane Thiam (14º), chefe-executivo da empresa britânica de serviços financeiros. Puxei os nomes de modo aleatório, apenas para dar uma idéia da confusão criada pela redação da Time, mas a lista inteira traz essa disparidade entre as personalidades.
Teve uma época em que ser escolhido “Homem do ano” pela Time trazia a consagração internacional. A própria escolha, em muitos casos, tinha a intenção de fortalecer uma tendência política e a revista tinha influência para isso. Mas isso faz muito tempo.
E o andar do tempo também desmoralizou esse tipo de escolha editorial. Por isso, a Time tem procurado encontrar um caminho novo para que o mundo preste mais atenção na revista. Mas é possível levá-la hoje à sério, com tanta informação à disposição na internet?
O desprezo pela Time da parte de gente realmente séria é coisa bem antiga. Peter Ducker, o conhecido “guru” da administração, conta em um delicioso livro de memórias (Reminiscências: De Viena ao Novo Mundo) que em 1950 fizeram uma reportagem sobre um importante livro seu, “A Nova Sociedade”. Escreveram então que ele “tinha na sala um piano de cauda” e havia na casa “um feroz pastor alemão”. E ele não tinha nada disso. O que havia era um piano velho para seus filhos estudarem. E o cachorro da família era beagle velho, meio cego e ainda manco.
O que aconteceu é que para fazer suas reportagens a revista mandava alguém — uma “pesquisadora” e não uma repórter — para colher dados sobre o tema da reportagem. O texto final era escrito por um editor, que não tinha contato pessoal com esta “pesquisadora”. Esta era a técnica inventada pelo fundador da revista, Henry Luce (o texto de Drucker é sobre ele) para dar um estilo único ao texto da Time. Luce tinham um imenso orgulho disso. A moça (pois era sempre uma mulher) ouviu de Drucker que o mascote era um “cão de caça” e o redator interpretou o que havia na ficha da pesquisadora como “feroz pastor alemão”. E o piano de calda surgiu em confusão parecida.
Era assim que era feita a revista de maior influência na época. É lógico que não quero diminuir o valor da Time só porque viram um pastor alemão onde havia um beagle velho e manco, mas é um bom exemplo da falta de cuidado da revista com a precisão da notícia. No caso da matéria com Drucker a troca foi em razão de descuido. Mas muitas outras vezes, e ai de forma deliberada, beagles foram tratados como cão pastor alemão e vice-versa.
E Drucker também é uma excelente fonte no caso, pois jamais seria confundido com um esquerdista. A esquerda sempre odiou a revista. Drucker conta que antes da Segunda Guerra Mundial havia um forte grupo na revista favorável a Hitler, inclusive o editor de internacional, Laird Goldsborough, que ficou na editoria até bem depois da eclosão da guerra na Europa.
Time foi também a porta-voz dos piores sentimentos políticos, os mais à direita e menos interessados numa condução equilibrada dos assuntos intrenacionais, nos anos posteriores ao conflito, quando veio a Guerra-Fria. Durante a Guerra do Vietnã cumpriu o mesmo papel.
Mas que importância tem tudo isso? Com o chefão colocado nessas alturas a blogosfera petista com certeza vai levar a Time muito a sério. Deve esquecer que condenou a revista como um órgão da “imprensa burguesa” e sempre criticou a manipulação que esta publicação sempre fez dos fatos.
Celso Amorim, um ministro das Relações Exteriores que tem o raciocínio de um blogueiro chapa-branca, está todo prosa. Os jornalistas foram ouvir sua opinião e ele disse: "Para vocês é uma surpresa?"
O caminho da repercussão deve ser por aí. E como a imprensa brasileira tem vivido mais da especulação, de um jornalismo superficial que beira o banalismo, não me espanto se começarem as suposições sobre a influência disso na eleição de Dilma Roussef e até da eleição de Lula (e seu tradutor de inglês, naturalmente, senão ele não consegue pedir sequer um café) para secretário-geral da ONU.
Quem é do ramo sabe que quando uma redação começa a fazer lista é que a publicação, seja qualquer for ela, está sem assunto. Mas esta lista da Time traz um elemento novo: a lista é o próprio assunto.
Não encontrei até agora alguém quem explique de forma convincente como a revista chegou neste ajuntamento desconexo de nomes. Alguém já ouviu falar de Tidjane Thiam ou do senador Jon Kyl? Da Sarah Palin todos já ouvimos falar, mas quem garante que alguém vai se lembrar dela dentro de dez anos? E não faz sentido que uma pessoa com “influência mundial” caia no esquecimento em tão pouco tempo.
Na lista em que Lula está em primeiro, Barack Obama figura em quarto lugar, à frente de Ron Bloom, assessor sênior do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, o que é menos mal, pois se o assessor sênior do secretário do Tesouro estivesse à frente de Obama complicaria ainda mais entender aonde a Time quer chegar.
Mas isso não vai evitar que um australiano ou algum leitor no Uzbequistão tenha bastante dificuldade em saber quem é o crioulo em quarto lugar, bem abaixo do Lula, o presidente do Brasil — ou melhor: Brazil.
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POR José Pires
Teve uma época em que ser escolhido “Homem do ano” pela Time trazia a consagração internacional. A própria escolha, em muitos casos, tinha a intenção de fortalecer uma tendência política e a revista tinha influência para isso. Mas isso faz muito tempo.
E o andar do tempo também desmoralizou esse tipo de escolha editorial. Por isso, a Time tem procurado encontrar um caminho novo para que o mundo preste mais atenção na revista. Mas é possível levá-la hoje à sério, com tanta informação à disposição na internet?
O desprezo pela Time da parte de gente realmente séria é coisa bem antiga. Peter Ducker, o conhecido “guru” da administração, conta em um delicioso livro de memórias (Reminiscências: De Viena ao Novo Mundo) que em 1950 fizeram uma reportagem sobre um importante livro seu, “A Nova Sociedade”. Escreveram então que ele “tinha na sala um piano de cauda” e havia na casa “um feroz pastor alemão”. E ele não tinha nada disso. O que havia era um piano velho para seus filhos estudarem. E o cachorro da família era beagle velho, meio cego e ainda manco.
O que aconteceu é que para fazer suas reportagens a revista mandava alguém — uma “pesquisadora” e não uma repórter — para colher dados sobre o tema da reportagem. O texto final era escrito por um editor, que não tinha contato pessoal com esta “pesquisadora”. Esta era a técnica inventada pelo fundador da revista, Henry Luce (o texto de Drucker é sobre ele) para dar um estilo único ao texto da Time. Luce tinham um imenso orgulho disso. A moça (pois era sempre uma mulher) ouviu de Drucker que o mascote era um “cão de caça” e o redator interpretou o que havia na ficha da pesquisadora como “feroz pastor alemão”. E o piano de calda surgiu em confusão parecida.
Era assim que era feita a revista de maior influência na época. É lógico que não quero diminuir o valor da Time só porque viram um pastor alemão onde havia um beagle velho e manco, mas é um bom exemplo da falta de cuidado da revista com a precisão da notícia. No caso da matéria com Drucker a troca foi em razão de descuido. Mas muitas outras vezes, e ai de forma deliberada, beagles foram tratados como cão pastor alemão e vice-versa.
E Drucker também é uma excelente fonte no caso, pois jamais seria confundido com um esquerdista. A esquerda sempre odiou a revista. Drucker conta que antes da Segunda Guerra Mundial havia um forte grupo na revista favorável a Hitler, inclusive o editor de internacional, Laird Goldsborough, que ficou na editoria até bem depois da eclosão da guerra na Europa.
Time foi também a porta-voz dos piores sentimentos políticos, os mais à direita e menos interessados numa condução equilibrada dos assuntos intrenacionais, nos anos posteriores ao conflito, quando veio a Guerra-Fria. Durante a Guerra do Vietnã cumpriu o mesmo papel.
Mas que importância tem tudo isso? Com o chefão colocado nessas alturas a blogosfera petista com certeza vai levar a Time muito a sério. Deve esquecer que condenou a revista como um órgão da “imprensa burguesa” e sempre criticou a manipulação que esta publicação sempre fez dos fatos.
Celso Amorim, um ministro das Relações Exteriores que tem o raciocínio de um blogueiro chapa-branca, está todo prosa. Os jornalistas foram ouvir sua opinião e ele disse: "Para vocês é uma surpresa?"
O caminho da repercussão deve ser por aí. E como a imprensa brasileira tem vivido mais da especulação, de um jornalismo superficial que beira o banalismo, não me espanto se começarem as suposições sobre a influência disso na eleição de Dilma Roussef e até da eleição de Lula (e seu tradutor de inglês, naturalmente, senão ele não consegue pedir sequer um café) para secretário-geral da ONU.
Quem é do ramo sabe que quando uma redação começa a fazer lista é que a publicação, seja qualquer for ela, está sem assunto. Mas esta lista da Time traz um elemento novo: a lista é o próprio assunto.
Não encontrei até agora alguém quem explique de forma convincente como a revista chegou neste ajuntamento desconexo de nomes. Alguém já ouviu falar de Tidjane Thiam ou do senador Jon Kyl? Da Sarah Palin todos já ouvimos falar, mas quem garante que alguém vai se lembrar dela dentro de dez anos? E não faz sentido que uma pessoa com “influência mundial” caia no esquecimento em tão pouco tempo.
Na lista em que Lula está em primeiro, Barack Obama figura em quarto lugar, à frente de Ron Bloom, assessor sênior do secretário do Tesouro dos Estados Unidos, o que é menos mal, pois se o assessor sênior do secretário do Tesouro estivesse à frente de Obama complicaria ainda mais entender aonde a Time quer chegar.
Mas isso não vai evitar que um australiano ou algum leitor no Uzbequistão tenha bastante dificuldade em saber quem é o crioulo em quarto lugar, bem abaixo do Lula, o presidente do Brasil — ou melhor: Brazil.
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POR José Pires
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