quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Afinal a Bulgária existe mesmo?

Que bacana, com Dilma Rousseff na presidência da República o Brasil pode estreitar os laços com a Bulgária. Nem me perguntem para quê, pois eu não sei.Em assuntos búlgaros eu penso como o genial escritor Campos de Carvalho: tenho dúvida até se a Bulgária existe ou é outra mentira da Dilma.

Já explico a entrada do Campos de Carvalho aqui, mas voltando à importância da Bulgária para nós brasileiros, não se preocupem que logo os jornais, revistas e sites estarão repletos de justificativas para isso. E os próprios blogueiros petistas que entram de cabeça e de forma fanática em qualquer coisa que o governo Lula inventa logo estarão escrevendo com grande convicção sobre a importância da Bulgária para os brasileiros.

Não faltarão receitas búlgaras,os costumes búlgaros e talvez até encontrem algum parente búlgaro dos Rousseff perdido em alguma ilha deserta. O Brasil já é naturalmente enfadonho, chato mesmo, e tem uma imprensa que não ajuda muito a amenizar isso.

Pelo jeito até mesmo a presidente eleita não tem muita fé na existência da Bulgária. Ontem no Jornal Nacional ela soltou uma pérola, depois de passarem uma reportagem sobre familiares dela na Bulgária. Lá vai:

"Olha, Bonner, eu tenho a impressão que vai ser uma comoção. Uma emoção para mim e acho também uma emoção para eles, porque é um país pequeno. Você imagina nesse país pequeno, em que a visão do Brasil, o Brasil visto de lá é 190 milhões de pessoas, é um país que está se desenvolvendo, criando emprego, um país que é visto no mundo como uma das grandes oportunidades. Então, eu acho que vai ser muito interessante, até porque eu acredito que eu sou a única búlgara entre aspas para eles que teve algum sucesso fora da Bulgária. Eu não sei falar uma palavra, nada. Então vai ser muito difícil".

Seria impressionante se já não tivéssemos tido contato até demasiado com a dona Dilma. Vindo dela, nada surpreende. Mas mesmo assim é fogo imaginar que teremos quatros anos à frente disso aí. Teremos na presidência da República a búlgara de maior sucesso fora da Bulgária, é isso? Ah, santinha...

Dilma ainda pode vir a ser a redenção intelectual do Lula. E não duvido que ele tenha tramado sua eleição exatamente por isso. Mas a bobajada só mostra que sua candidata também não tem interesse por livros. Esteira parece que ela também não gosta muito.

A Bulgária tem Elias Canetti. Mesmo que Dilma nunca tenha lido Canetti, além de tudo um prêmio Nobel, mas também um escritor de obras-primas importantes para a discussão do totalitarismo, ela nunca teve interesse nem em saber um pouco sobre a cultura da terra de seus antepassados? Se tivesse, teria chegado fácil na existência desse escritor tão bom.

"Auto-de-Fé" e "Massa e Poder" são seus livros mais conhecidos, mas gosto muito da sua obra memorialística. Ensinam muito sobre um período essencial da história mundial e também trazem histórias deliciosas de ler. Não é qualquer um que pode escrever sobre Freud, Joyce, Karl Kraus, Alban Berg, Alma Mahler, Schonberg,Kokoscha, Robert Musil e Tomas Mann, só para citar alguns, como se eles estivessam na esquina. E na esquina de Canetti eles estavam de fato.

Os livros de Canetti que tenho, publicados pela editora Companhia de Letras, só padecem daquela burrice editorial brasileira de não ter o índice onomástico, o que é sempre uma trabalheira para a consulta e nas releituras.

É óbvio que não é preciso ter pais búlgaros para ler Canetti, mas isso pode ser um motivo a mais. Sei que Dilma só está interessada no que dá proveito imediato. Mas é notável até sua falta de curiosidade, digamos assim, intelectual.

Mas com essa onda búlgara que deve vir por aí na nossa imprensa, bom mesmo seria desencavar um livro de Campos de Carvalho, "O Púcaro Búlgaro". É uma maravilha de novela, de um dos nossos maiores escritores e um dos poucos brasileiros com uma obra universal. É engraçadíssimo, brilhante mesmo. Tem menos de 90 páginas. É curto e grandioso como obra literária, além de ser um dos livros mais engraçados que já vi.

Campos de Carvalho é um escritor de humor de altíssima qualidade de texto, uma coisa rara em qualquer lugar (talvez até na Bulgária) e ainda mais no Brasil.

Pena que ele Carvalho já morreu. Essa nossa imprensa maluca iria entrevistá-lo muitas vezes, afinal ele talvez seja o único autor brasileiro que se dedicou a tentar descobrir a Bulgária. E o que parecia coisa de maluco até recentemente hoje adquire um caráter até institucional, já que temos uma descendente de búlgaros eleita presidência. E Campos de Carvalho pensando que escrevia ficção.

O escritor não pode mais falar de assunto algum, mas quem sabe não seria uma boa, na febre búlgara que deve acometer nossa imprensa, perguntar para a própria Dilma sobre o livro? "O Púcaro Búlgaro" só não é obra seminal porque depois dele (foi impresso em 1964, quando nosso país ainda era os Estados Unidos do Brasil) ninguém mais se interessou por este instigante assunto que é a Bulgária. Mas agora acredito que a coisa vai melhorar.

"O Púcaro Búlgaro" é a história de uma expedição à Bulgária na tentativa de descobrir se este país existe. E não vou revelar mais nada para não estragar a leitura. Tenho o livro de Campos de Carvalho numa edição preciosa da editora Civilização Brasileira, com capa e ilustrações do grande Poty. Olha aí ele na imagem só para dar inveja. Tive umas outras três edições deste livro, perdidas ou afanadas, talvez até por conhecidos acima de qualquer suspeição. Inimigos é que não foram, pois estes não se aproximam das nossas bibliotecas.

Não cabe aqui revelar se afinal ficou comprovada a existência da Bulgária. A existência de Dilma pode ser uma prova disso, afinal ela é a nossa presidente e isso não parece ser um sonho ruim do qual podemos despertar num instante.

Dilma que, por sinal, não deixa de ser uma púcara. Já explico: púcaro é um pequeno vaso que serve para extrair líquidos de outros vasos maiores. De certa forma, em política Dilma tem servido para algo parecido, não? Taí uma imagem para a Marilena Chauí fazer mil estrepolias filosóficas.

E não vou me estender mais porque o que temos muito que fazer agora. É tempo de nos aprofundarmos neste inebriante mistério que é a Bulgária. Se é que ela existe.
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POR José Pires

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