segunda-feira, 7 de março de 2011

Democracia em Angola: ainda não foi desta vez que a oposição saiu às ruas

O protesto contra o regime do MPLA em Angola foi cancelada. Hoje pela manhã os organizadores informaram sobre o esvaziamento da manifestação pedindo democracia. A explicação foi a "falta de condições" de juntar pessoas num protesto pacífico em razão da repressão do governo.

No sábado, o MPLA, partido que domina o país desde 1975 fez uma manifestação de apoio ao governo como uma reação à intenção da manifestação da oposição marcada para hoje. O movimento chapa-branca prometia dois milhões de pessoas nas ruas, mas a marcha teve menos de 500 mil. Neste final-de-semana já aconteceram conflitos com feridos graves.

E na madrugada desta segunda-feira a polícia deteve organizadores da passeata da oposição. Três jornalistas foram detidos. Foi preso também o popular rapper angolano, Luaty, que postou no Youtube um vídeo chamando para a manifestação. Na fala do rapper, chama a atenção um momento em que ele questiona sobre o fato de falar do governo em Angola ser uma ameaça à vida.

Além do rapper e dos jornalistas, que segundo fontes da oposição angolana apenas cobriam profissionalmente o acontecimento político, foram presas cerca de 20 pessoas. Todos foram libertados nesta manhã, mas durante toda a noite seus familiares e colegas ficaram sem nenhuma informação sobre seu paradeiro.

O clima de terror e intimidação criado pelo governo acabou levando a um esvaziamento da manifestação, mesmo não havendo um cancelamento formal do protesto.

O governo do MPLA é um dos mais duradouros do mundo. O campeão em permanência no poder é o ditador Kadhafi, há 42 anos mandando na Líbia. O angolano José Eduardo dos Santos está há 32, depois de suceder ao líder da independência de Angola, Agostinho Neto, que morreu de câncer cerca de três anos após o fim do colonialismo.

Angola teve uma independência difícil depois da saída de Portugal. As forças políticas locais se dividiram em três fortes facções que colocaram o país em guerra civil — FNLA, UNITA e MPLA, este último sempre no governo.

O país tem muita riqueza mineral, sendo o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana e grande exportador de diamantes. Em contraste com essas riquezas há uma imensa miséria em todo o país, causada em grande parte pela cleptocracia implantada pelo MPLA.

Uma reportagem recente da revista The Economist traz números sobre a situação angolana. Apenas nove por cento da população de Luanda (cerca de cinco milhões) tem água corrente. E se na capital a situação é tão difícil, dá para como está o resto do país.

Já conversei com gente que trabalhou em Luanda. Na cidade, o estrangeiro é aconselhado a beber somente água mineral. Os índices de saúde também são muito baixos. Metade da população não tem acesso algum a cuidados médicos. O país tem uma das mais elevadas taxas de mortalidade infantil e os únicos exemplos conhecidos de poliomielite urbana.

A burocracia implantada pelo MPLA é paralisante. Com um corpo de funcionários públicos de péssima qualidade, o país pena com uma máquina administrativa eficiente. A The Economist conta que o governo levou dois anos para entregar a documentação completa necessária para um empréstimo do Banco Mundial.

A corrupção também cobra um preço alto na cleptocracia em que a esperança de socialismo do MPLA se tornou. Numa lista de 178 países relacionados pela Transparência Internacional, Angola está como o 11º mais corrupto.

O governo tem um orçamento anual de 45 bilhões de dólares e cerca de 18 milhões de habitantes. O país tem recursos, muitas riquezas, mas a população não recebe os benefícios. Mas para onde vai o dinheiro, além de ir para o bolso da camarilha em torno do chefe do MPLA, José Eduardo dos Santos? Vai também para obras imensas, que a revista inglesa chama de "elefantes brancos" de utilidade duvidosa.

Aguns gastos são tragicômicos. Recentemente foi construído um grande edifício para a Bolsa, mas o país não tem mercado financeiro. Foram também comprados 3000 mil carros, mas o país só tem 1500 motoristas.

Outras grandes obras fazem fortunas no país e fora dele. Como já disse aqui, empreiteiras brasileiras fazem a festa em Angola, o que pode explicar o silêncio do governo brasileiro com a falta de democracia por lá e talvez até o fato da oposição também ficar quieta sobre o que acontece hoje neste país da comunidade da língua portuguesa.
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POR José Pires

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