sábado, 19 de março de 2011

Kadhafi, mais um ex-amigo dos Estados Unidos que se vai

A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, está em Paris para a reunião de chefes de estado que trata da intervenção na Líbia. Já foi dado o sinal verde para os ataques contra o ditador Muammar Kadhafi. O governo da França informou que seus caças já estão em ação na Líbia. Agora a única dúvida é quanto tempo dura o regime de Kadhafi.

Hillary Clinton está hoje numa reunião contra o ditador, mas há menos de dois anos recebia na Casa Branca o filho dele, Mutassim Kadhafi, representando o governo Líbio. Os Estados Unidos então estreitavam relações com a Líbia, após anos de afastamento.

O encontro com o filho de Kadhafi ocorreu no dia 21 de abril de 2009 e existe até um vídeo muito interessante que mostra a secretária de Estado apresentando Mutassim de forma simpática aos jornalistas credenciados na Casa Branca. Suas amáveis palavras podem ser lidas aqui, no site do Departamento de Estado americano. Foi na mesma ocasião da foto acima. No canto esquerdo as bandeiras dos dois países estão lado-a-lado, grudadinhas, numa simbologia muito bacana. Não há porque estranhar o terno de Mutassim, uma roupa que brilha como se fosse feita de seda e que também parece ter sofrido um encolhimento nalguma lavada. Mutassim é conhecido entre os líbios como um playboy que gasta dinheiro do país em farras no estrangeiro.

Porém, mesmo torrando dinheiro público em Paris, pelo visto nunca deixou de ser um playboy líbio. É provável que na Líbia um terno como este seja visto como elegante.

Mutassim não é pouca coisa. Ser filho de Kadhafi já significa muito na Líbia, mas além de pertencer à poderosa família, ele é conselheiro de segurança nacional. Ocupa um espaço político importante naquele país. Até já tentou demitir o próprio pai, em 1999, enquanto Kadhafi estava fora da Líbia.

Hillary Clinton recebeu o filho do ditador líbio na Casa Branca há menos de dois anos e hoje os Estados Unidos estão prontos para jogar bombas na cabeça de toda a família Kadhafi. Não vou lamentar o final de uma ditadura como a que existe hoje na Líbia, mesmo que o Kadhafi saia do poder apenas em razão de uma mudança ocasional na política das grandes potências, especialmente dos Estados Unidos.

Kadhafi personaliza de tal forma a desgraça que domina os líbios há mais de 40 anos, que não importa como ele vai sair do poder. O importante é que saia. Hoje este país é um estado privado nas mãos de uma família de bandidos. Um dos filhos do ditador, chamado Khames Kadhafi, tem até uma milícia própria, conhecida como Milícia Khames. Dá pra imaginar os crimes cometidos por um governo estabelecido desse jeito. De qualquer forma que seja a derrota de Kadhafi, a Líbia só tem a ganhar.

Mas essas posições tão díspares da política externa dos Estados Unidos mostram que tem algum desconcerto grave neste governo. O Mutassim Kadhafi que pode levar bombas na cabeça a partir de hoje é o mesmo bandido que foi recebido com honras na Casa Branca, mas não é disso que estou falando. Não sou ingênuo para esperar coerência dos Estados Unidos, mas acho que não é demais exigir competência, não é mesmo?

Parece faltar percepção geopolítica num governo que age dessa forma, como se tivesse sido pego de surpresa pelos acontecimentos. Não sou eu que vou me decepcionar com governos americanos recebendo bandidos com pompa e honra, mas a gente fica desconfiada quando a amizade se deteriora assim, em tão pouco tempo.


Serviços de inteligência, esta é a questão
Os americanos têm um sério problema num setor essencial para uma nação que detém tamanho poder. Os serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos estão esfrangalhados. Parece que o sistema se fechou numa espécie de nomenklatura que exerce seu papel com incompetência, mas também tem um poder corporativo imenso que dificulta qualquer revisão, mesmo que o reordenamento seja do interesse do homem que está na sala mais importante da Casa Branca.

A culpa por esta terrível falha evidentemente não é de Barack Obama, nem de outro presidente americano em especial. Erram até os que culpam George W. Bush ou os que veem o problema como decorrência de política dos republicanos. Aliás, neste ciclo de decadência dos serviços de inteligência dos Estados Unidos tem até um outro Clinton, o marido da secretária de Estado, o Bill, um presidente que se ocupava dos boquetes de Monica Lewinski, enquanto um homem chamado Osama bin Laden tornava-se uma lenda no Oriente Médio.

É posssível acompanhar a decadência desse servço tão essencial (o da inteligência e não o da senhorita Lewinski) em várias obras, do início do problema que é possível perceber em livros da década de 60, com os de John Keneth Galbraith, até obras recentes que tratam desse assunto. Esse pessoal da Casa Branca precsa ler mais.

Em "De Beirute a Jerusalém", de Thomas L. Friedman, os sevicos de inteligência dos Estados Unidos também não saem bem. O livro de Friedman é uma obra essencial para entender o terrorismo internacional. O único problema da edição brasileira é que a Bertrand Brasil, que se diz editora, mas parece ser apenas impressora, fez aqui uma edição sem índice remissivo.

Existe um livro muito bom sobre a Al-Qaeda escrito por Lawrence Wright, "O Vulto das Torres", em que esta falência dos serviços de inteligência dos Estados Unidos fica muito bem clara. No livro de Wright esta deficiência fica destacada na dificuldade do governo americano para compreender transformações em assuntos de seu interesse. Em "O Vulto da Torres" sabe-se que a incompetência nessa área permitiu o crescimento de Osama bin Laden e sua Al-Qaeda e não permitiu nenhuma defesa e muito menos a previsão sobre o fortalecimento do terror que acabou resultando no fantástico ataque de 11 de setembro.

Bem, se eles não conseguiram perceber nem o Bin Laden fica bem difícil qualquer previsão acertada sobre um país como a Líbia.

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POR José Pires

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