sexta-feira, 8 de abril de 2011

As chacinas do bom senso

A chacina na escola do Rio de Janeiro é um horror. Isso é um fato. Mas é bom lembrar que neste exato momento muitas crianças estão sendo feridas ou mortas neste país de 50 mil homicídios por ano. É um drama que raramente chega às manchetes, mas é persistente, um horror do dia-a-dia com inocentes sofrendo violência pelas mãos de bandidos, de milícias formadas por bandos paramilitares e também pela ação da polícia, em torturas e assassinatos cometidos às escondidas.

Por isso, quem não sofre de perto a dor vivida na escola do Rio onde aconteceu o ataque de Wellington Menezes de Oliveira deveria ter a consciência de não usar um acontecimento tão brutal para alavancar seus interesses.

Sempre que ocorre uma grande violência no Brasil, logo surgem os trucidadores do bom senso. Demagogos já puxam das gavetas campanhas que pouco ou nada têm a ver com esta matança. A volta da campanha pelo desarmamento é de um oportunismo que se destaca, mas tem muito mais. Já surgem até propostas de instalação de detectores de metais nas portas das escolas. Os vendedores desse tipo de equipamentos devem estar babando de contentamento e sempre vai ter um vereador disposto a fazer disso uma lei.

Foi também a pretexto de maior segurança que o Brasil foi tomado por câmeras de vídeo. E cada vez que ocorre um crime na frente de uma dessas maravilhas a gente vê que sua serventia não vai muito mais além do que encher o bolso de empresários do ramo.

Se dependesse das câmeras de segurança da escola onde ocorreu a chacina, não seria possível nem a identificação do assassino. As imagens não servem nem para aumentar a audiências das televisões. NO entanto, gasta-se com ilusões como esta um dinheiro que a Educação não tem para usos básicos.

Dá pra entender as lágrimas da presidente Dilma Rousseff. A tragédia emociona mesmo. Mas é de estranhar que tenha havido menos emoção com as mais de mil mortes na tragédia de Teresópolis. Muitos “brasileirinhos” morreram ali também. E Dilma deu apenas uma passada rápida por lá, antes de ir para a capital carioca posar segurando uma camisa do fluminense junto ao sorridente governador Sérgio Cabral.

O governo petista já tinha planos de voltar com o papo do desarmamento, mas a chacina acelerou a colocação em prática do projeto. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse hoje que uma nova campanha pelo desarmamento será lançada.

Este é um governo muito estranho, de um governo idem. Já se foram cem dias do primeiro ano do governo Dilma, que pode ser computado como o nono ano do PT no poder e o que sai do Ministério da Justiça é a volta da ladainha do recolhimento de armas.

Não há nenhum plano consistente de ataque da violência cotidiana que sofrem todos os brasileiros e que já toma até cidades menores e antes pacatas. Nenhuma medida contra as torturas e maus tratos nas prisões brasileiras, já comparadas por especialistas com a Idade Média, o que eu acho uma tremenda injustiça com a Idade Média. Também não se faz nada contra a violência policial contra os cidadãos e o domínio das milícias em parcelas cada vez maiores das nossas cidades, domínio paramilitar mantido com a conivência e muitas vezes até parceria da nossa polícia.

Em política fala-se muito do tal de fazer o “dever de casa”. No Ministério da Justiça isso não foi feito em nove anos de PT no poder. E o ministro Cardozo nem pode alegar que não teve tempo para se inteirar dos assuntos da pasta, já que foi deputado por mais de uma década antes de pegar o cargo.


Dever de casa é com o Departamento de Estado dos EUA
Mas se é por falta de tempo, o ministro podia começar com os problemas levantados pelo relatório do governo dos Estados Unidos sobre as violações de direitos humanos no Brasil. Foi divulgado hoje e grande parte do serviço por fazer está lá. É seu dever de casa.

O governo americano fala em violência por parte da polícia, falhas no julgamento de policiais corruptos e na proteção de testemunhas, tortura de detentos, condições "deploráveis" de prisões, discriminação contra mulheres, tráfico de pessoas, trabalho escravo e infantil e maus tratos de crianças.

O relatório cita vários casos de torturas feitas por policiais e obviamente descreve apenas os documentados, mas o ministro tem o conhecimento de como essas coisas são pouco documentadas por aqui. E também são cada vez menos denunciadas, pois o brasileiro sabe que raramente ocorre qualquer punição e que testemunhas e denunciantes terminam sempre indefesos.

E tem mais. Segundo os americanos, os violadores de direitos humanos no Brasil "gozam com freqüência de impunidade", com uma manifesta "relutância e ineficiência em processar funcionários do governo por corrupção, discriminação contra indígenas, mulheres e violência contra crianças, incluindo o abuso sexual".

É uma leitura boa para um final-de-semana. E na segunda-feira o trabalho pode começar com tudo. Se o ministro ainda não viu o relatório, está aqui.

O relatório do Departamento de Estado não fala da corrupção política. Não é seu tema. Mas isso não fará falta ao ministro, que até deixou de disputar a reeleição para deputado alegando que discordava completamente da forma que a política estava sendo feita no país.

O relatório tem como uma de suas fontes a Anistia Internacional, entidade que dispõe também de farto material de leitura para o nosso ministro. Enfim, serviço é o que não falta para o Ministério da Justiça. Nem é preciso usar a morte de crianças para trazer novamente temas superficiais sobre a violência no Brasil.

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POR José Pires

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