quinta-feira, 16 de junho de 2011

O STF no país das maravilhas

Um estrangeiro que tenha notícias do Brasil lá em sua terra deve pensar que vivemos por aqui no melhor dos mundos. Um europeu deve ter até vontade de se mudar correndo para cá, pois país liberal como o nosso, com tantos direitos assegurados, ah, país assim não existe nem nas Oropas.

Pois o nosso Supremo Tribunal Federal (STF) passou uma tarde inteira julgando a marcha da maconha. Engraçado é que sempre que aparece alguma notícia sobre a lerdeza dos ministros para julgar processos importantes, vem a história de que todos estão assoberbados de trabalho.

Agora passaram a tarde discursando sobre a liberdade de expressão para sair na rua marchando em favor da liberação da maconha. Tem gente que perde a tarde fumando maconha, vá lá, mas o nosso STF pode passar a tarde discutindo marcha da maconha? Parece coisa de um STF que não tem nada pra fazer.

Os juízes não economizaram na empolação. "A liberdade é mais criativa que qualquer grilhão, que qualquer algema que possa se colocar no povo", disse Carmen Lúcia, que, como se vê, nesta questão da liberdade ainda está nos tempos dos grilhões. Ora, mas se é para falar em "grilhão", então podiam passar a tarde discutindo o trabalho escravo.

E o ministro Marco Aurélio Mello mandou ver: "Mesmo quando a adesão coletiva se revela improvável, a simples possibilidade de proclamar publicamente certas ideias corresponde ao ideal de realização pessoal e de demarcação do campo da individualidade”.

De onde um ministro desses do STF está falando? Quando vejo uma coisa dessas fico sempre esperando aparecer saltando no plenário do STF um coelho apressado com um relógio na mão, uma lebre maluca, um chapeleiro louco e a Alice correndo para lá e para cá sem entender nada.

Não é para um europeu ficar doido de vontade de morar num lugar desses? Mas o lado cômico é que, mesmo isolados do Brasil lá no planalto e falando para aparecer na imprensa, nossos togados paladinos da liberdade de expressão, terão depois que sair do STF muito bem escoltados. E devem morar em fortalezas muito bem seguras, é claro.

Fora do país das maravilhas do STF não temos um cotidiano com liberdades básicas asseguradas. A bem da verdade, aqui não se tem o direito nem de receber um serviço que foi pago. Marcha da maconha está liberado, mas não se pode querer tudo, certo? Alguém sensato deveria ter um pouco de pudor ao manejar discursos. E neste caso esta tarde no STF tem mesmo a ver com o assunto tratado. Parece papo de maconheiro. São apenas palavras vazias, palavrório que não se aplica. Foi só lero lero esta tarde da maconha no STF.

Eu poderia puxar várias frases do que se falou nesta tarde no STF, mas vamos ficar apenas com essas duas, já que os discursos acompanharam esse tom. Os ministros foram fundo trololó liberal. E o resultado do julgamento todo mundo já conhece: por oito a zero pode-se sair nas ruas defendendo o uso da maconha.

E isso num país em que tem gente pacífica sendo morta por defender o meio ambiente, como acontece nas regiões em que se pensa numa anistia para desmatadores que são também implacáveis matadores. Porque não anistiar logo as duas práticas? Ou então aplicar lá na Amazônia o palavrório do STF. Como é mesmo o negócio aquele negócio "realização pessoal e de demarcação do campo da individualidade". Pô, bróder com essa o Aurélio Mello matou a charada... ou será xarada? Sei lá, mano, passa o bagulho aí.

Distante desse país das maravilhas temos também o país real em que comunidades inteiras vivem sob o domínio de milícias, em comum acordo inclusive com setores da polícia. A decisão do STF, embasada em palavrório tão pomposo, vai valer também para esses cidadãos desesperados ou esse negócio de acabar com "grilhão" é só para marcha da maconha?

Digo sempre que essa piada que fizeram com o Brasil só não é engraçado porque moramos na piada. Com a decisão do STF em alguns lugares o maconheiro terá todo o direito de expressar a tal “liberdade mais criativa que qualquer grilhão”, mas não tem direito algum sobre sua vida cotidiana.

Pode ir tranqüilo para a marcha da maconha, mas nos outros assuntos tem que prestar contas pra milícia ou para o traficante. E desse respeito imposto pela força depende sua integridade física. As palavras do STF não significam nada fora do país das maravilhas dos togados.

Marcha da maconha, tudo bem. Mas tem que pagar pedágio para o bandido, a taxa do gás e da TV a cabo para a milícia e, no caso de quem vive numa condição livre de problemas desse tipo, tem que pagar o imposto para o vereador gatuno, para o prefeito ladrão, o governador corrupto e... bem, tem que pagar o imposto para o governo federal do PT.

Nem vou entrar no mérito dessa decisão do STF. Mas temos que ver o lado cômico desse país de fantasia que é apresentado todos os dias por nossas autoridades de qualquer área, pois realismo não é o forte em setor algum hoje em dia. O Brasil é um país em que não existe diferença alguma entre articulação política e pescaria.

Mas, fora desse país das maravilhas do STF, a realidade é outra: a corrupção domina a política, corroendo as estruturas do país e desmoralizando a administração pública; o crime campeia pelo país afora e a violência se instalou em nossas cidades impondo um cotidiano triste, com mortos e feridos no trânsito, em assaltos, em ataques sexuais, na eliminação física de adversários políticos, e até na destruição física pelos motivos mais banais.

A lista de barbaridades é grande, poderíamos falar de questões ambientais, da infra-estrutura do país demolida, das dificuldades na educação. Os problemas são dos mais variados. Daria bastante assunto para esta tarde no STF. Se eles não estivessem ocupados com a marcha da maconha, é claro.
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POR José Pires

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