quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Liberdade de imprensa: o outro lado e mais outros lados do debate

Corre pela internet um artigo do jornalista Ricardo Kotscho onde ele tenta criar um clima de suspeição sobre a imprensa pelo fato de, segundo ele, até agora ninguém ter dado nada sobre o lançamento de um livro de Amaury Ribeiro Jr. com o título de “A privataria tucana”. Kotscho procura apelar até para a liberdade de imprensa e faz isso no próprio título do artigo, o que é um evidente exagero.

O livro é um amontoado de acusações contra os tucanos e que tem como alvo central dos ataques o ex-governador José Serra, que foi candidato a presidente da República na eleição vencida pela petista Dilma Rousseff. Serra peleou bem. Dilma venceu com 56,05% dos votos e ele ficou com 43,95%.

O artigo de Kotscho tenta fazer de vítima Amaury Ribeiro Jr., como se tivesse sido armada uma conspiração na imprensa para vetar a menção ao livro. O texto de Kotscho foi publicado em seu blog, abrigado no site da Record, a rede de comunicações ligada à Igreja Universal. O jornalista é contratado da emissora.

Talvez como forma de estimular a propagação do texto, para fechar o artigo ele define a imprensa hoje como sendo “propriedade privada de meia dúzia de barões da mídia que decidem o que devemos ou não saber”. Este clima de luta pela liberdade de expressão e contra poderosos interesses serve para azeitar a rede de blogs governistas, de gente paga e também de blogueiros que seguem a linha de ataques à oposição e de defesa do governo estabelecida de cima.

Para ser correto, entre os “barões” assinalados por ele como "donos da imprensa", o jornalista deveria ter apontado também os “bispos”, o que no meu entender é um dos fatos mais graves ocorridos recentemente na comunicação no Brasil. Com o apoio do governo Lula, uma seita pentecostal das mais retrógadas passou a ter o domínio de uma larga fatia da comunicação. É um grupo tão estreito que é de lá o tal do pastor que chutou a seita e também é de lá que apareceram vídeos em que seu líder máximo dá lições de como tirar dinheiro dos crentes. É uma mistura de religião com política, vinda de líderes religiosos que ganham fortunas com a crença principalmente dos mais pobres.

Este é um tema importante no debate sobre a mídia no Brasil, uma discussão necessária, mas que infelizmente foi prejudicada pela partidarização feita pelo PT e por sindicatos de sua esfera política.

Outra questão que Kotscho não menciona é o currículo do autor do livro que ele trata como se fosse um libelo libertário e defensor do bem comum. Por dever jornalístico ou respeito ao leitor, ele não devia ter ocultado fatos ligados diretamente ao tema do livro em questão.

Neste caso, o fato marcante na carreira de Amaury Ribeiro Jr. foi seu envolvimento na criminosa quebra do sigilo fiscal do candidato Serra e de seus familiares, ocorrido durante a campanha eleitoral para presidente da República. O caso foi dennunciado pela imprensa em setembro do ano passado. A quebra de sigilo foi feita numa agência da Receita Federal em Mauá, São Paulo. O principal suspeito da violação era filiado ao PT desde 2003 e teve seu nome excluído do partido em novembro de 2009, menos de dois meses depois de ser executada a quebra. Já Amaury Ribeiro Jr. foi acusado pela Polícia Federal de ter encomendado a quebra de sigilo.

Na época, o jornalista foi indiciado pela PF pelos crimes de violação de sigilo, corrupção ativa e uso de documento falso. Ele também foi enquadrado no artigo 343 do Código Penal: "Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação".

Amaury Ribeiro Jr. também participou como contratado da pré-campanha de Dilma Roussef e, segundo ele mesmo diz, seu contrato ocorreu depois que os petistas souberam que ele podia saber de coisas pesadas contra os adversários tucanos.

Estes fatos não são mencionados por Kotscho em seu texto e isso ele não poderia fazer de forma alguma. Aí não daria para construir a imagem de Amaury Ribeiro Jr. como autor barrado pela imprensa. Esta é a intenção de seu pequeno artigo.

O próprio Kotscho não tem também lá essa independência para tratar de um assunto como o da privatização feita pelos tucanos. Privatização que eu também sempre vi com suspeitas — é bom destacar. Mas não vou me deixar engabelar em minhas posições políticas, quando existe uma manipulação grotesca em curso.

E a privatização feitas pelos tucanos o PT sempre condenou quando foi oposição de forma sempre agressiva. Mas os petistas nada fizeram depois de subir ao poder. O govenro do PT não fez nenhuma investigação, denúncia alguma. E nenhuma privatização foi desfeita, o que eu acho uma pena.

Durante muitos anos Kotscho foi assessor pessoal de Lula, antes até da primeira vitória eleitoral. Com a eleição de Lula em 2002, ele abandonou o jornalismo e “passou para o outro lado do balcão”, como ele próprio disse à época. Saiu logo depois da tentativa de expulsão do correspondente do New York Times, Larry Rohter, que escreveu sobre o que todo mundo já sabia: os hábitos etílicos do presidente. Lula chegou a assinar a expulsão, o que mostra bem seu caráter autoritário, que foi contido no Brasil e não só neste caso pela reação da sociedade civil.

No caso de Rohter, a imprensa que Kotscho agora condena se levantou contra, aconteceram reações fortes em todo o mundo e a expulsão acabou sendo contestada no STF. Lula teve que voltar atrás e ali o PT no poder teve barrada a primeira tentativa de intimidação da imprensa.

São muitas coisas que têm que entrar num debate sobre liberdade de imprensa e a luta contra o monopólio fechado nas mãos de “barões”. Kotscho não pode falar, mas nós podemos. Agora no assunto temos também “bispos”, como eu já disse, e entram também as tentativas de usar o tema para fortalecer posições corporativistas e partidárias, o que pode significar uma mudança do domínio sobre a comunicação para algo pior do que temos agora.
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POR José Pires

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