quinta-feira, 22 de março de 2012

O trânsito brasileiro atropelando o bom senso

Acredito que todos já sabem do atropelamento do ciclista Wanderson Pereira da Silva, de 30 anos, por Thor Batista, de 20 anos, ocorrido na noite de sábado, numa rodovia da Baixada Fluminense.

Thor é filho do milionário Eike Batista. Depois do acidente o paí andou postando textos no Twitter dizendo que o culpado é o ciclista, que morreu na hora. Numa entrevista à colunista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, o empresário foi até indelicado com a vítima, dizendo que além de imprudente, o ciclista poderia "ter matado meu filho".

"A imprudência do ciclista causou, infelizmente, a sua morte. Mas podia ter levado três pessoas [Thor e o amigo que estava com ele no carro]", ele disse à colunista. Como costuma falar a rapaziada, menos, menos, mas muito menos mesmo.

Nem vou perguntar por que é que Eike Batista está dando entrevista sobre o atropelamento para uma prestigiada colunista, e ainda mais com conclusões tão definitivas de quem inclusive não pode alegar independência nenhuma no caso, mas, como já fiz isso, fica como uma pergunta retórica.

Mas o que é fato mesmo é que é sempre muito difícil um ciclista causar a morte de um motorista dentro do carro. Nunca soube de algo assim. Você já viu alguma manchete sobre a morte de um motorista causada por um ciclista? Desconheço. Deve ser mais fácil encontrar a manchete do homem que mordeu o cachorro.

Mas o contrário ocorre sempre. Só na cidade de São Paulo são mais de 50 ciclistas mortos todo ano. E mortandade parecida acontece pelo país afora. Sem falar nos muitos que ficam com sequelas graves. E a razão é na maioria das vezes o desrespeito do motorista. Muitas dessas mortes seriam evitadas se o motorista seguisse uma regra legal muito simples: passar a pelo menos 1,5 metro de distância do ciclista.

O filho de Eike Batista também culpou o ciclista pelo acidente. Fez isso no Twitter. Ele disse que dirigia com cuidado e "repentinamente" o ciclista veio do acostamento em sua direção. Thor dá inclusive o detalhe de que Wanderson, o ciclista, empurrava a bicicleta com o pé esquerdo no chão. E destaca que ele estava "sentado, porém, no banco da bicicleta". Gostei do "porém", tão bem colocado, ainda mais num texto do Twitter, "naum" é mesmo? E, sem dúvida, são informações de alguém com uma memória muito boa, mesmo tendo passado por um trauma como este.

Mas acontece que a versão do advogado do ciclista morto no atropelamento é bem diferente. Ele diz que Thor atropelou no acostamento. Segundo o advogado, moradores locais afirmam que Thor tentou cortar um ônibus, quando perdeu o controle do veículo e atingiu o ciclista no acostamento.

Poderíamos ficar então na velha fórmula dos dois lados, mas surgiram também fatos que são pra lá de condenadores da atuação de Thor Batista por detrás de um volante.

Por lei, Thor Batista nem poderia estar dirigindo um carro. Ele já somou 51 pontos na habilitação e isso em apenas 1 ano e meio ao volante. Desses pontos, 21 são por cinco infrações por excesso de velocidade. Ele estava então em período probatório e se não fosse a lentidão no registro de multas nem teria tirado a carteira definitiva.

A assessoria de Thor, disse que "o rapaz não sabia da existência desses pontos". Aliás, até o Grupo EBX, do pai do "rapaz", lançou nota sobre o atropelamento. A empresa afirma também que o ciclista "atravessava inadvertidamente". Não, o grupo EBX não está no ramo de bicicletas e nem mesmo no do carro Mercedes SLR McLaren, que Thor dirigia no momento do atropelamento. Na Europa o carro custa R$ 890 mil e pode chegar a 334 km por hora de velocidade.

É bastante gente no assunto, não é mesmo? E é claro que será mais um caso de atropelamento que não vai dar em nada. O destino provável é o mesmo de outras mortes no trãnsito, seja de ciclistas ou não.

E nem estou dizendo isso só porque está em cena gente de muita grana, de bastante influência política. E nem tampouco estou prejulgando o atropelador. Mas ocorre que morte no trânsito já virou uma banalidade na vida brasileira, como se fosse um processo natural. É algo já inserido no cotidiano e visto como inevitável, da mesma forma que uma fruta cai de uma árvore e espatifa-se na rua.
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POR José Pires


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Imagem: A sombra deste ciclista que escreve. Já fui fechado, acossado pelos carros por detrás da minha bicicleta, recebi luz alta na cara e até objetos lançados contra mim. E o iinteressante é que os motoristas estavam sempre certos.

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