quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Niemeyer: na política um arquiteto da dureza

Logo depois da morte do Oscar Niemeyer tenho visto interpretações sobre o que ele foi que dão a impressão de que em vida o arquiteto era um grande filósofo, capaz de dissertar com genialidade sobre a arte em que se destacou e até sobre a existência humana. Pois Niemeyer não foi nada disso.

Durante anos li textos dele e acompanhei reportagens e suas entrevistas. Do Niemeyer sempre lembro uma frase repetida em várias entrevistas naquela sua dicção que exigia legendas na tela. Era uma banalidade que para meu espanto foi destacada várias vezes por jornalistas: “A vida é mais importante que a arquitetura”. Vai acabar sendo marcado por esta trivialidade e ele merece. Inegavelmente ele foi um grande arquiteto, mas era banal intelectualmente e em política tinha uma fixação autoritária.

Até o final da vida Niemeyer lamentava a queda do Muro de Berlim material e simbolicamente. Seu pensamento político está baseado naquela triste divisão criada pela oposição entre comunismo e capitalismo. Fechado numa guerra fria mental, ele não teve inteligência política para perceber nenhum dos grandes avanços políticos da segunda metade do século vinte. É tão tosco que nem sequer permitiu-se à compreensão de seu proprio partido (o PCB) sobre a necessidade de reformar a visão política a partir das mudanças da conjuntura política mundial.

As frases suas que vejo correr na internet querem fazer crer que o arquiteto foi um grande humanista, mas se contradizem com o que ele de fato foi em política. Até o final da vida Niemeyer defendeu o stalinismo, modelo político que matou milhões de pessoas na extinta União Soviética e espalhou pelo mundo um terror que só tinha algo comparável no nazismo de Hitler.

Ele adorava a figura de Joseph Stálin. Politicamente era cego às denúncias dos crimes do ditador feitas pelo próprio governo comunista da União Soviética ainda na década de 50. Adorava Stálin de tal forma que em 2009 escreveu um artigo exaltando o ditador e neste texto muito ruim usava como base um livro que dizia exatamente o contrário do que ele pensava. Imerso em sua obscura idolatria ele viu no livro apenas o que interessava para seu culto.

Em política esse era o Niemeyer e não o homem sensível de frases supostamente humanísticas. E eu só não digo que esse era o Niemeyer político “na prática” porque felizmente variadas situações no mundo todo não permitiram que de suas idéias autoritárias brotasse de forma prática um governo no Brasil.

Niemeyer não foi um grande teórico nem sobre sua atividade profissional. Não existem textos seus e nem entrevistas que tragam um pensamento original sobre arquitetura ou qualquer outra arte. É até incomum na sua área esta falta de habilidade para discorrer sobre o próprio trabalho. Arquitetos costumam ser grandes faladores, de tal forma que quando estão sendo entrevistados ou escrevendo alguns parecem bem maiores do que realmente são na sua atividade.

Não é o caso de Niemeyer. Criou obras revolucionárias e algumas muito bonitas, mas era uma droga para escrever ou falar sobre elas. Mas a precariedade intelectual de Niemeyer não importa na sua arquitetura. Não é pela capacidade de teorizar que identificamos o grande artista, apesar de que sempre é muito bom apreciar alguém que sabe falar bem sobre sua arte. Mas existem vários excelentes artistas que são parecidos com o arquiteto brasileiro nessa dificuldade de expressar teoricamente o que fazem com habilidade quando estão com um lápis, um pincel, uma régua, um computador, ou qualquer outro instrumento com o qual um ser humano pode tornar a vida mais bela.

Niemeyer não é menor por causa disso. Mas para uma melhor compreensão do que foi esta marcante personalidade brasileira é melhor que não se procure nele um grande pensador capaz de trazer grandes ensinamentos sobre a vida ou sobre sua arte. E muito menos sobre política. No seu caso o ponto a ser refletido é sua arquitetura e a interferência política de seu mito em várias situações importantes da nossa história e também na arquitetura até no aspecto profissional. Na sua profissão, vários bons arquitetos são da opinião de que seu mito sustentava um lobby que acabou sendo uma influência negativa de várias décadas para a arquitetura brasileira.
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POR José Pires

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