quarta-feira, 2 de julho de 2014

Um dia qualquer num ônibus do Alabama

Neste 2 de julho é comemorado nos Estados Unidos o dia da instituição da Lei de Direitos Civis, que pôs fim à discriminação racial. A lei completa 50 anos. Ela foi assinada em 1964 por Lyndon B. Johnson, mas o trabalho para que fosse alcançada começou muito antes e teve um impulso importante na atitude de uma mulher, em 1955, no Alabama, um dos estados americanos mais racistas naquele tempo. Foi algo que hoje pode ser visto como muito simples, mas que era de uma complicação danada naquela época: um negro recusar-se a dar seu assento a um passageiro branco. Este era o costume. Estando ocupados nos ônibus todo os bancos reservados aos brancos, os negros deviam ceder o lugar. No dia 1 de dezembro de 1955, em Montgomery, Rosa Parks (1913-2005) recusou-se a fazer isso. Junto com o marido, Raymond Parks, ela já era membro da Associação Nacional Para o Desenvolvimento das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês). A associação existia desde 1909. Foi depois de participar de um seminário da associação que ela tomou esta atitude histórica.


O gesto corajoso desencadeou todo um processo de luta, mas é preciso ter em conta que foi necessário muito empenho e organização para que disso resultasse uma das leis mais importantes da democracia americana, além de um marco universal dos direitos humanos. O avanço desta ideia exigiu lideranças capazes, entre elas a de Martin Luther King (1929-1968), personalidade que se sobressaiu nesta luta. Foi preciso também a habilidade que ele teve de evitar que correntes radicais do movimento negro apelassem para uma violência que só agravaria o problema racial.

Faço essa ressalva sobre a necessidade da aplicação de inteligência e suor em uma ação política porque sei muito bem que existe uma tendência de se acreditar que transformações políticas são geradas naturalmente, a partir de acontecimentos banais. Com a internet e as redes sociais aumentou ainda mais essa visão ingênua de que a realidade pode ser mudada a partir de um estalo (ou um clique).

E nunca foi assim, muito menos na reação à severa segregação racial imposta nos Estados Unidos, desde que o primeiro negro pôs os pés naquele país na condição de escravo. Tampouco foi uma luta unilateral, com negros bonzinhos contra brancos maus — ou a "elite branca", na cretina definição da esquerda brasileira, numa realidade de tolerância social, como a nossa,  que devia ser vista como virtude nacional. Entre os negros americanos, como eu já disse, havia até uma posição de reação pela violência, que felizmente foi anulada. A transformação de qualidade na democracia americana se deve à atuação de brancos e negros, gente de espírito livre e de boa vontade, sem as quais mudança alguma acontece.

Antes do admirável gesto de Rosa Parks, por exemplo, já havia sido estabelecida uma lei para as Forças Armadas que definia um tratamento igual para todos naquela instituição, independente de religião, nacionalidade, raça ou a cor da pele. A Suprema Corte também já decidira por unanimidade pela inconstitucionalidade da segregação nas escolas públicas. Mesmo no conjunto da nação americana existiam fortes diferenças em cada estado no tratamento aos negros. A Lei dos Direitos Civis foi uma solução federal, pondo fim aos sistemas legais e costumes segregacionistas em qualquer estado americano.

E aqui trago uma questão, antes que ela apareça na forma de azucrinação militante: estaria eu tentando diminuir o papel do movimento negro e de seus líderes no fim da segregação racial e o surgimento da Lei de Direito Civis? É óbvio que não. Procuro apenas apontar a unidade humana em qualquer ação de qualidade nas relações entre as pessoas. Até porque naquele estado americano em que Rosa Parks negou-se a dar seu lugar a um passageiro branco, com certeza também não deve ter sido nada fácil a vida de um branco sem preconceito racial. E eles estavam lá, alguns até nos assentos reservados aos brancos. 
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POR José Pires

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Imagem- Rosa Parks, que tomou a atitude que deu início a um movimento de transformação social, tendo ao fundo o homem que assumiu a liderança deste processo: Martin Luther King.

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