sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Caminhando com Thoreau

Nessa época aparece gente demais querendo nos ajudar. É até cansativo tantos querendo o nosso bem. Período eleitoral é sempre assim. Isso me lembra Henry Thoreau, o naturalista e filósofo americano que dizia o seguinte:"Se eu soubesse com toda a certeza que um sujeito vinha em direção de minha casa no firme propósito de me fazer o bem, correria em disparada". Isso foi escrito em "Walden, a vida nos bosques", um belo livro. Outra obra sua importante é "A desobediência civil". Este é um ensaio curto, publicado numa edição que traz outros ensaios, entre eles um ótimo sobre o hábito de andar à pé. "Walden" e "A desobediência civil" são duas obras que trazem elementos essenciais que podem ajudar bastante na compreensão da crise que cresce em torno de nós, nos seus dois aspectos mais graves: o risco do domínio do Estado e até mesmo da sociedade sobre a liberdade do indivíduo e o esgotamento dos recursos humanos. A humanidade pode morrer desses dois males. E Thoreau tem remédio para isso. O filósofo escreveu outros livros, cerca de 20, mas em português são encontrados apenas esses dois. Dá para baixar fácil pela internet.

Muita gente faz confusão, pensando em Thoreau apenas como o naturalista que foi viver isolado no meio da floresta em um cabana de troncos feita por ele. A visão não deixa de ser verdadeira, mas pode fazer dele hoje em dia uma figura pitoresca. É um engano que perturba a compreensão do que ele diz para nós através dos tempos. Thoreau é um dos pensadores mais sofisticados que já existiu. É preciso ler Thoreau e pensar bastante sobre o que ele escreveu. Em suas palavras pode-se encontrar caminhos para o desastre social que aí está. Falei do esgotamento dos recursos naturais, que já começa a mostrar sinais de que a vida humana corre perigo. Pois Thoreau escreveu sobre isso quando ainda se pensava que a Terra era inesgotável. Viveu de 1817 a 1862, uma vida breve, mas com um aproveitamento admirável.

Thoreau é o filósofo da desobediência civil e da apologia do indivíduo. Pensou sobre isso muito antes do ser humano calçar botas e dar os terríveis passos totalitários do nazismo e do comunismo no século vinte. Ele é a reação contra isso. Existe uma confusão entre a desobediência civil e o apelo à violência. Quebrar coisas que a própria população usa não tem nada a ver com o que pensava Thoreau. A sua visão não é a da destruição do governo. É da melhoria. Essa canalha que sai quebrando tudo tem mais a ver com um leninismo tosco do que com a desobediência civil. No objetivo eles são leninistas, apesar de que na ação carregam vários defeitos que Lenin desprezava. Num país comunista seriam imediatamente presos e talvez mortos pelo poder leninista. Esses equivocados pensam também que são filhos de Bakunin, mas só se forem bastardos. Como não estudam nada, deixaram de fazer isso inclusive com as obras do anarquista. Além do que, o anarquismo de Bakunin foi ultrapassado pelo tempo.

Thoreau propunha uma resistência pacífica. Não à toa, o escritor russo Tolstoi e o líder político Gandhi tiraram de seus escritos parte essencial da vitalidade filosófica do que fizeram em vida. A ação violenta em nome de avanços sociais costuma trazer um efeito efeito reverso ao que pretensamente busca. A violência política dá unidade e organiza as piores forças dentro da sociedade e do Estado. Quando fez a cretinice de pegar em armas na década de 70, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff deu um oportuno pretexto para a ditadura militar eliminar inclusive fisicamente quadros competentes da oposição democrática. Um militante negro que apela para a violência causa dificuldades sérias para um branco decente exercer influência entre sua comunidade contra os racistas. Malcom X fortalece posições do tipo da Ku Klux Klan e a violência entre os próprios negros. Martin Luther King faz a sociedade avançar em união com brancos contrários ao racismo.

Walden foi escrito a partir da experiência de Thoreau vivendo sozinho durante dois anos numa cabana na floresta. O ensaio sobre a desobediência civil veio da sua prisão por negar-se a pagar impostos. Este é um tema atualíssimo em todo o mundo e ainda mais num país como o Brasil, onde a maioria paga impostos para que o poder público beneficie os mais ricos. Além do roubo constante feito por políticos. Ele começa o ensaio sobre a desobediência civil com a famosa citação de Emerson, que diz que "o melhor governo é o que menos governa”. Porém, é preciso ter cuidado. A desobediência civil de Thoreau nada tem a ver com o equívoco dos violentos, mas também não é um ideário de liberais que acham que governar melhor é cortar imposto de rico e suprimir a educação gratuita, o acesso à saúde e o amparo aos idosos e pobres. As ideias de Thoreau merecem respeito. E precisam ser lidas também, é claro.
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POR José Pires

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