quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Sujeiras que desconhecem fronteiras

"A proliferação de panfletos pelas ruas de Lima e províncias, com as mais estapafúrdias denúncias, era incomensurável, e Álvaro já não estava mais conseguindo encontrar tempo para desmentir todas as calúnias e, inclusive, para ler aquelas dezenas ou centenas de folhas e papeluchos que entraram na campanha de intoxicação da opinião pública (...). Álvaro selecionava algumas pérolas daquela proliferante esterqueira, que, em nossas reuniões matutinas, comentávamos, ironizando às vezes sobre minha angelical pretensão de fazer uma campanha de ideias. Uma versava sobre o fato de eu ser viciado em drogas; outra me mostrava rodeado de mulheres nuas, numa montagem de uma entrevista que a Playboy fizera comigo, e se perguntava: "Será que por isso que ele é ateu?".

O trecho é retirado de "Peixe na água", livro de Mario Vargas Llosa sobre sua campanha para presidente do Peru em 1990. É muito parecido com o que o PT vem fazendo com Aécio Neves, não é mesmo? O escritor peruano perdeu a eleição para Alberto Fujimori, que dois anos depois da vitória fechou o Congresso Nacional e o Poder Judiciário e com o respaldo das Forças Armadas implantou uma ditadura no país, que lançou o Peru numa década trágica. O relato de Vargas Llosa traz em detalhes toda sujeira que houve na campanha para derrubar sua candidatura e colocar no poder o então desconhecido Fujimori. É grande a semelhança com o que o PT vem fazendo desde o primeiro turno, até pelo fato do escritor peruano ter levado ao eleitor um projeto liberal e Fujimori ter feito uma campanha com um populismo muito parecido ao de Dilma Rousseff.

No caso peruano não faltou nem um governo populista no poder, que fez um tremendo uso da máquina pública e do jogo sujo. O governo era de Alan García, que havia arruinado a economia peruana e não queria de forma alguma ver colocado em prática as reformas liberais prometidas por Vargas Llosa. Se tivesse uma Petrobras no Peru, com certeza, García e Fujimori fariam as mesmas acusações falsas de privatização feitas pelo PT. Um Bolsa Família peruano seria usado da mesma maneira que vem sendo feito pela candidata petista, tanto para o ataque ao adversário como para ganhar o voto dos mais pobres por meio do terror eleitoral. E uma Marina Silva peruana sofreria também as mesmas calúnias.

É tudo muito parecido, com o mesmo objetivo de perpetuação no poder e o uso do Estado para manipular a população por meio do populismo, mantendo o comando político do país nas mãos de um grupo restrito, que vai barganhando sua sustentação com privilégios e o dinheiro que sai dos cofres públicos. O livro de Vargas Llosa é de uma leitura muitas vezes estarrecedora, pelo alto grau de desmando e desrespeito com a democracia. Sua candidatura havia sido uma esperança do Peru se livrar do populismo desastroso de Alan García, mas a derrota para Fujimori lançou o país numa era ainda pior. E até hoje, passados quase quinze anos, o Peru ainda não se restabeleceu do desenrolar atroz do enredo que o escritor colheu da realidade diária de sua campanha. Tomara que no caso brasileiro o leitor dê neste domingo um belo ponto final nesta história até agora, para que os brasileiros possam começar a fazer um país melhor, em páginas mais limpas.
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POR José Pires

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