segunda-feira, 16 de março de 2015

Conservadorismo de massas


Os brasileiros vão acabar avacalhando o conservadorismo. Passei toda a minha vida adulta vendo os conservadores horrorizados com manifestações de massa, que até os anos 80 era uma atitude quase que exclusiva da esquerda, principalmente em países de língua espanhola desta nossa América Latina. Na Argentina era a beligerante militância de lá, muitos deles peronistas, que fazia as manifestações mais ruidosas e eram capazes de atrair multidões com suas palavras de ordem. Por sinal, foi de lá que vieram os "panelaços", essa forma de protestar batendo em panelas. No Brasil foi sempre também a esquerda que tomava a iniciativa de ir para as ruas. São antológicas as espinafrações feitas pelo grande Nelson Rodrigues às passeatas que havia em seu tempo. E notem que os protestos eram contra a ditadura militar, o que não impede de eu achar geniais até hoje o sarro que ele tirava.


Esta preferência da esquerda em tomar as ruas é com certeza uma razão prática do conservadorismo em nosso país não gostar de protesto, mas a aversão tem raízes intelectuais mais fortes. Ótimos textos filosóficos já foram escritos sobre o risco das multidões para a liberdade do indivíduo e da facilidade de manipulação do sentimento coletivo por ideologias autoritárias e pelo totalitarismo, seja à esquerda ou à direita. Os conservadores desconfiam sempre de muita gente na rua gritando lemas superficiais e esse é um dos poucos pontos em que dou razão a um conservador.


Não havia novidade quanto à isso dentre os conservadores brasileiros, tanto é que da parte deles sempre houve uma severa condenação das manifestações anteriores, bem lá atrás quando parecia que a ida do povo para as ruas podia beneficiar o PT. Acompanhei bem este assunto na época, divergindo inclusive de vários deles que condenavam em absoluto qualquer manifestação, quando eu penso que este direito é que é absoluto, mesmo que eu discorde totalmente da motivação do protesto.


Ocorre que esta manifestação do dia 15 de março parece ter dado uma virada na cabeça dos nossos conservadores. Eles estão animadíssimos com a ideia do povo saindo às ruas para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Algo mudou e não foi a Dilma, que merece mesmo ser tirada do poder, nem que seja só pela estupidez pessoal, mas isto é outra história. Duas das figuras de proa do conservadorismo na internet — o Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho — estão vendo com grande entusiasmo o evento e ambos têm procurado estimular o movimento de rua. Olavo de Carvalho chegou a escrever que vê nos protestos uma “revolução social”, um exagero e até muito estranho vindo dele, que lembra sempre que desistiu do comunismo depois de ler Ortega y Gasset. Ele levaria com certeza um puxão de orelhas do filósofo espanhol. Já o Reinaldo Azevedo deixou de recriminar qualquer saída às ruas, como fazia diante das manifestações anteriores. Agora é do bem protestar na multidão.


Na minha visão, escrever o que vier na telha é um direito impreterível de qualquer um, mas também penso que é preciso ter respeito à razão e à lógica, principalmente num assunto desses e ainda mais quando a posição anterior dos conservadores era contrária à manifestações populares. Coerência intelectual e política é algo muito bom. Eu falei que o Ortega y Gasset não iria gostar disso. E citei também o Nelson Rodrigues, de quem esse pessoal gosta tanto. Pois sorte dele de não estar aí para ver isso. Estão avacalhando o conservadorismo, Nelson.
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POR José Pires

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