quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Recordação do que ficou pra trás

O Brasil tem umas coisas de doido. Por aqui, como se sabe, esquece-se de tudo. Como já disse o grande Ivan Lesssa (alguém lembra dele?), numa de suas frases memoráveis, ou que pelos menos deviam ser sempre lembradas, “a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”. Pois nesta semana deu a louca de lembrarem do Adoniran Barbosa. Até o Google fez homenagem, daquele jeito deles, incorporando uma imagem do homenageado no logotipo da página. Um desenho bastante fraco, que nem parece o autor de "Saudosa maloca" e tantas outras composições que, além de belas, trazem ótimas caracterizações de uma São Paulo que teve o mesmo destino do palacete assobradado do ótimo samba. Mas não é só na cidade cantada por Adoniran que está tudo sendo posto abaixo. Nesses últimos anos todo o Brasil vem sofrendo um processo de demolição, com as nossas cidades perdendo suas características originais e ficando todas iguais. Os lugares onde vivemos vão sendo tomados por prédios sem absolutamente nenhuma relação com a história e a cultura formadora de nossas cidades, numa mudança abrupta sem nenhuma ligação também com algo que possa ser chamado de arquitetura.
O resultado são cidades todas iguais, com a perda de suas marcas essenciais e até da paisagem. A sanha comercial acaba também com a ecologia urbana. Nada tenho contra transformações em área alguma, mas desde que elas não venham da forma que está acontecendo, impostas pela força da grana, por uma especulação imobilária idiota que derruba o que era uma base cultural e psicológica das pessoas, para substituir tudo por prédios horrorosos, que acabaram até com a qualidade anterior das moradias. E o toque irônico da especulação é que depois da demolição os maioriais das construtoras vão morar fora das cidades, em condomínios protegidos contra o que eles mesmos fizeram.
Mas voltemos ao Adoniran Barbosa, que tem muito a ver com o que estou falando. É um dos grandes compositores brasileiros, ainda mais importante pelo que deixou em sua músicas como referências da fala e do comportamento de uma época. É um dos artistas de que mais gosto, até pelo linguagem humorística, bastante marcante em sua obra. Eu ouço sempre, mas é claro que só posso fazer isso em casa, porque é raro neste país um lugar onde haja música de qualidade. E por que estão lembrando do Adoniran? Fui conferir e vi que é pelos 105 anos de seu nascimento. Bem, nada contra a recordação de um bom compositor, mas fora de uma data redonda a lembrança dá a impressão de uma mera referência ao que está esquecido de todos. Na semana que vem não se fala mais nele. E o chato é que o aniversário de 106 anos vai passar em branco. Esta é mais uma daquelas recordações súbitas que tornou-se comum na amalucada cultura brasileira. No Brasil, estamos sempre recordando por alguns instantes coisas essenciais na nossa formação, mas que sumiram totalmente do nosso cotidiano.
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POR José Pires

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