quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Tráfico e esquerda, uma relação antiga

Já faz tempo que o governo dos Estados Unidos vem acusando o governo da Venezuela de apoio ao narcotráfico. As denúncias ocorrem desde antes da morte de Hugo Chávez e aumentaram bastante depois de Nicolás Maduro assumir o poder. Essa era uma queixa antiga também do governo da Colômbia, que faz fronteira com a Venezuela. Pois neste caso os americanos obtiveram hoje uma forte argumentação contra o governo venezuelano com a prisão no Haiti do filho de criação de Maduro, Efraín Antonio Campos Flores, com 800 quilos de cocaína. A droga havia sido despachada na Venezuela. Ora, não dá para acreditar que num governo com tamanha vigilância interna seja possível um embarque desse tipo, ainda mais de uma pessoa com tal proximidade com o presidente venezuelano — ele é sobrinho da primeira-dama Cilia Flores e foi criado pelo casal desde criança.
O envolvimento de chavistas com o narcotráfico já é assunto antigo e consta até a participação de militares, o que acabou dando o nome ao esquema governista venezuelano de “Cartel dos sóis”, uma referência às divisas de generais venezuelanos. Até o filho do ex-presidente Chávez, Hugo Chávez Colmenares, é acusado de envolvimento no crime. No tráfico estaria também o número dois do regime bolivariano, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Geral. Sabe-se há muito tempo da relação estreitíssima do governo bolivariano com o grupo guerrilheiro das Farcs, que explora o tráfico de drogas na Colômbia. É claro que a proximidade com as Farcs só poderia ter uma influência desse tipo.
Esta relação da esquerda dita revolucionária com o tráfico de drogas é facilitada por duas vias, uma delas moral e a outra prática. Primeiramente tem a velha mitologia esquerdista de elevar o bandido a um padrão de contestador do sistema. Nesta visão, o narcotráfico serviria inclusive como arma contra os países mais ricos, afetando-os por meio da disseminação da droga. O raciocínio é de uma canalhice atroz, mas a doutrina revolucionária costuma ter disso. A questão prática é a do financiamento das atividades de guerrilha e terrorismo e até de campanhas eleitorais com o uso de dinheiro do tráfico, que pode começar apenas com a extorsão dos traficantes. Porém, logo depois tudo acaba misturado, com os militantes armados agindo como traficantes.
Até Cuba tem uma relação com esse desvio grave, que aconteceu quando o regime de Fidel Castro atuava na África, em países como Angola e Moçambique. Em 1976, Fidel Castro tinha 15 mil soldados em Angola. Nessas expedições no continente africano, brilhava de forma marcante o general cubano Arnaldo Ochoa, tido como herói junto aos cubanos, até ser executado por determinação de Castro. Cuba sentia então os efeitos da glasnost de Mikhail Gorbatchev. Na luta interna do regime entre quem pretendia uma abertura política e os dirigentes que queriam manter a coisa como estava, Ochoa foi usado por Castro como bode-expiatório para calar a possível dissidência.
A justificativa para matar o general Ochoa foi a acusação de tráfico de drogas. E isso existiu mesmo? O que dizem é que dinheiro não só do tráfico de drogas como também de diamantes era usado em parte do financiamento das tropas. Uma ressalva que se faz é que os cubanos não participavam do tráfico. Era dinheiro exigido aos traficantes. E que Fidel Castro sabia disso ninguém precisa dizer. A menos que se acredite que o ditador cubano só veio a ter conhecimento do fato mais de dez anos depois das tropas cubanas saírem da África, para só então tomar providências mandando para o pelotão de fuzilamento um general até então idolatrado pelos cubanos.
O julgamento de Ochoa foi naquela rapidez muito comum no regime de Fidel Castro. O militar cubano foi preso no dia 12 de junho de 1987 e já no dia 9 de julho foi dada a sentença de pena capital pelo Tribunal Militar Especial. O fuzilamento foi no mesmo mês, no dia 13. Quem conta toda a história desse importante episódio da esquerda latino-americana é o escritor cubano Norberto Fuentes, ele também um apoiador do regime desde a revolução, em 1959. Com esses acontecimentos houve também seu rompimento com Fidel Castro, com quem até então tinha uma relação muito próxima, de passarem a madrugada juntos bebendo e falando da vida.
Fuentes quase foi morto também. Ele foi preso logo depois da execução de Ochoa e só escapou depois de um amplo apelo internacional de intelectuais para sua soltura. Saiu de Cuba acompanhado por Gabriel García Márquez, em um avião cedido pelo governo mexicano. O escritor colombiano era um amigo antigo e havia intercedido junto a Fidel Castro por sua vida. García Marquez era também muito amigo do general Ochoa e também pediu que ele fosse poupado. Mas esse pedido não foi atendido pelo ditador. Depois, no exilio, Fuentes contou toda a história em um livro muito bom, “Dulces guerreros cubanos”, que infelizmente nunca foi traduzido no Brasil.
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POR José Pires

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