sexta-feira, 20 de maio de 2016

O STF, a "pílula anticâncer" e o país dos milagreiros

Afinal o Supremo Tribunal Federal suspendeu a lei que autorizou a chamada "pílula anticâncer". É preciso dizer que a medida ocorreu em função de Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pela Associação Médica Brasileira. A suspensão da lei era uma questão de bom senso, mas a verdade é que ela passou pela Câmara, pelo Senado e ainda foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Nenhum desses poderes atendeu aos apelos de especialistas e de gente que lida de perto com a doença, que alertavam inclusive sobre os riscos sociais em torno dessa pílula, que vinha sendo divulgada como remédio milagroso.
Câncer é uma doença cercada de mitos, a começar pelo fato de ser geralmente mencionada como se fosse única. Existe uma variedade de casos de câncer, o que já eliminaria a crendice que persiste, sobre uma "cura do câncer". Conheço de perto esta questão e creio que não deve haver brasileiro que não tenha em seu círculo pessoal uma história relacionada a esta doença, situação em que aparece muita coisa parecida com esta história da "pílula anticâncer". Surgem sugestões até do uso do pensamento positivo, indicado de diversas formas supostamente terapêuticas e divulgados como altamente curativos. Aí é até uma grande injustiça para quem está numa condição muito grave, pois pode parecer que os que sucumbem à doença não tinham apego à vida. Enfim, muita gente aparece com soluções fabulosas para o problema, o que é um hábito brasileiro na questão da saúde e bem próprio de países em que os sistemas de saúde, seja o privado ou o público, funcionam de forma precária e onde a educação está em situação similar.
Como toda doença grave, a melhor forma de combate ao câncer é um bom atendimento médico em todas as etapas, a começar pela medicina preventiva, que infelizmente não é prioridade no sistema de saúde. A dificuldade é bem maior no sistema público, mas em razão da falência geral da saúde no Brasil, quem tem plano de saúde privada também começa a ter dificuldade de conseguir um bom atendimento. Sei de plano de saúde de qualidade que tem pressionado médicos a não encaminharem exames básicos de prevenção de câncer da mulher. E tanto para a mulher quanto para o homem a prevenção é que pode salvar, como é o caso do câncer de próstata, em que o combate mais eficaz são os exames regulares preventivos e de detecção do problema. Mas é uma dificuldade tremenda fazer isso no sistema público de saúde e, como eu disse, também começa ficar complicado até para quem pode pagar um bom plano de saúde.
Em grande parte é por isso que rola sempre nesta área coisas como essa tal "pílula anticâncer", uma onda populista que teve quer ser barrada pelo STF, numa demonstração da falta de bom senso das mais altas Casas Legislativas e do Governo Federal. Não cabia ao Congresso Nacional legislar sobre essa matéria e também não existe comprovação da efetividade da substância. A Anvisa é que deve ter a prioridade na decisão. É muito simples: o dito remédio teria de passar da fase da pesquisa com ratos para a pesquisa com seres humanos, o que ainda não foi feito. Esse suposto remédio nem era para ter chegado ao STF, se não fosse a forma demagógica da condução deste caso, especialmente pelos políticos. O andamento da história dessa pílula pode servir como tema para o país trabalhar para desenvolver um respeito pela aplicação séria em seus problemas, sem o populismo que vem dominando nossa cultura e servindo ao propósito de manipuladores de todo tipo, principalmente na política. Já faz tempo que temos as mais variadas "pílulas" sendo oferecidas a uma população que em seu desespero acaba engolindo uma porção delas. O efeito conhecemos bem. Não cura nada. Só faz bem para o bolso e o interesse pessoal de milagreiros.
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POR José Pires

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