William Waack é autor de um dos livros mais interessantes já publicados sobre a história brasileira, “As duas faces da glória”, trabalho com pesquisa cuidadosa e bem escrito sobre um período de máxima importância para o nosso país — o da participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, com a Força Expedicionária Brasileira, a FEB, na Itália. O jornalista da Rede Globo, que agora é tachado como racista nesta lamentável algazarra digital, foi atrás do assunto e fez uma obra que além de trazer com bastante fundamento a nobre história desses homens valorosos é muito saboroso de ler. Além de escrever bem, ele sabe destacar detalhes interessantes do convívio humano, inclusive com histórias ligeiras e até divertidas, que servem como referência para contextualizar o sentido mais amplo do tema de seu livro.
O livro esclarece bastante sobre um período da nossa história cuja bibliografia de qualidade é bastante rara em relação à importância que a campanha da FEB teve para o Brasil. Foi a partir dessa participação na luta contra o nazismo na Europa, após a volta dos combatentes brasileiros, que ocorreu a queda da ditadura de Getúlio Vargas. Muito mais poderia ter sido extraído dessa experiência (talvez até um exército nacional mais qualificado), mas infelizmente por aqui falta memória e estudo. O livro aponta com equilíbrio as dificuldades do Exército Brasileiro, trazendo também boas referências sobre a capacidade de superação dos brasileiros, lidando com deficiências materiais que tiveram que ser supridas depois pelos americanos. Existem também boas informações sobre a honestidade pessoal dos nossos soldados, com destaque ao respeito à integridade física do inimigo vencido. Já aos 71 anos de idade, o capitão alemão Lotar Mull contou à Waack que ficou aliviado quando soube que seria preso por brasileiros. Até foram salvos de linchamento. “Nos protegeram da fúria da população”, disse Mull. “Ao meu lado”, ele lembra “um soldado negro ainda disparou sua arma para o alto para conter o povo”.
O jornalista da Globo trabalha muito bem com documentos oficiais. Essa habilidade valeu para que ele fizesse também outro livro, “Camaradas”, este sim odiado por esquerdistas. É excelente. Trata da relação da esquerda brasileira com a antiga União Soviética. Mas é neste trabalho sobre a FEB que é possível ler vários trechos em que o jornalista trata da questão racial, falando dos soldados negros que foram lutar na Europa, avaliando a situação deles internamente, nas tropas brasileiras, além do efeito de sua presença sobre o inimigo nazista. O respeito de Waack pelos recrutas no geral é evidente, sem nenhum desvalor racial. O livro é de 1985 e teve duas edições — a segunda, em 2015. Até que é muita coisa para um país sem memória, como o Brasil. Waack entrevistou sobreviventes inclusive das tropas nazistas. Uma delas foi com o tenente Klaus Dietrich Polz, capturado depois de uma batalha com os brasileiros. Ele tinha então 20 anos. A qualidade do jornalista pode ser constatada pela surpresa dele, que só meio século depois ficava sabendo que virara personagem da história da FEB. Preso, o oficial alemão foi colocado num caminhão entre um motorista negro e um sargento branco. Suas palavras: “Era uma grande novidade para mim. Eu nunca tinha visto um homem negro”.
Num trecho de “As duas faces da glória”, Waack informa que entre nove nacionalidades que estavam entre os aliados, o XIV Exército alemão passou a colocar também “negros” como “nacionalidade” especial, segundo o jornalista, “numa irrefutável demonstração de racismo”. Todas as referências de Waack sobre questão racial neste período são de críticas ao racismo e muito bem exploradas para que o leitor tenha uma compreensão do problema e sua interferência na atuação militar. A partir de depoimentos de sobreviventes alemães, ele refuta o racismo da propaganda nazista, que afirmava que os “negros” seriam particularmente ferozes e animalescos em seu comportamento com prisioneiros
Havia confusão da parte dos alemães entre brasileiros e “negros”, que veio de uma interpretação equivocada dos organismos de inteligência nazista, ao colocarem erradamente a FEB como subordinada à 92a Divisão de Infantaria americana. Essa unidade, diz Waack, era formada exclusivamente por soldados negros dirigidos por oficiais brancos, “fato que impressionou muitíssimo os brasileiros”. Neste estranhamento — e aqui entro eu com minha opinião — pode-se ver o contraste entre as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos. Infelizmente, por interesse político, a militância racialista prefere nivelar dois universos completamente diversos, procurando apagar virtudes brasileiras evidentes no relacionamento entre brancos e negros, que pode ser vista na segregação racial que os americanos mantiveram até no exército que foi lutar na Europa. Para mim, é a ausência de boa vontade para chegarmos à formas de melhor convivência e respeito mútuo que está na raiz dos ataques a William Waack, de quem não se sabe de nada que possa justificar essa horrível acusação, de fato uma das piores que existem, que é o racismo. São enormes as dificuldade que vão sendo criadas por essa atitude militante que valoriza sempre o conflito, passando por cima do verdadeiro conhecimento e da necessidade de entendimento. Essas maquinações precisam ser detidas. Esse derramamento contínuo de ódio pode dificultar ainda mais o caminho para que haja no Brasil mais respeito pelos direitos civis.
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POR José Pires
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