O escritor Paulo Coelho deu uma entrevista ao suplemento XL Semanal, encarte cultural do jornal espanhol El Periódico. É uma de suas entrevistas mais engraçadas, mas não porque ele tenha sido espirituoso. O efeito qualitativo veio da irritação do escritor, que já no início ficou incomodado com questionamentos da jornalista Virginia Drake. Entrevistas do antigo parceiro do roqueiro Raul Seixas costumam ter um toque de humor involuntário, já que ele está sempre repassando filosofias em compota e sua visão metafísica de papo de maconheiro em volta da fogueira. Nenhuma delas, porém, pelo menos das que eu li, à altura dessa do XL Semanal, publicada no domingo. O mago que já fez chover em um deserto (sic) se superou.
>O escritor está lançando um livro novo, “Hippie”, que certamente traz as mesmas filosofices pretensamente literárias que lhe deram fama. Na chamada da entrevista, extraída do diálogo com a jornalista, fica claro o tom pretensioso que ele pretendia desenvolver no jornal espanhol, com aquele jeitão songamonga de quem traz o espírito repleto de verdades que se completam nas atitudes mais simples da existência. “Eu sou um homem muito seguro. As pessoas seguras não impõem, dão exemplo”, ele praticamente decreta. Sorte dele que a jornalista provavelmente não tinha a informação sobre os exemplos dele na política no Brasil, onde nos últimos anos se alinhou ao governo do agora presidiário Lula, frequentando inclusive festa de aniversário do ex-ministro mensaleiro José Dirceu, antes desse político petista ser condenado pela segunda vez por corrupção das brabas.
A jornalista pode não saber dessas coisas, mas teve uma conversa firme com Paulo Coelho, procurando extrair dele fundamento sobre suas filosofadas de sempre. O escritor não gostou nada do rigor e por pouco não acabou com a entrevista no meio. Logo no início do diálogo ele disse que “segue sendo um hippie”, o que soa mais como um chavão de marketing editorial, ainda mais quando uma afirmação dessas sai da boca de uma das pessoas mais ricas do mundo, um homem que costumamos ver na companhia de financistas, banqueiros, empresários poderosos e políticos que já ocuparam o poder em nações muito fortes. Numa fala sua nesta entrevista, este insólito hippie conta que até já teve um avião.
Diante da afirmação estranha, a jornalista apontou a contradição entre o que ele falava e o próprio lugar onde se dava a entrevista. Ela então perguntou se “é possível ser hippie vivendo em Genebra, numa casa extraordinária com vista para Montblanc, rodeado de obras de arte e com um mordomo”. O hippie de araque ficou muito bravo e tentou fugir do questionamento, alegando que ser hippie “não é o exterior, é o interior”, além de ser mais “a maneira de ver a vida”. Foi uma colherada da filosofia em compota, de que falei, mas a jornalista não engoliu. Ela contestou, lembrando que ser hippie era também uma forma de viver. E apontou novamente a casa luxuosa do escritor, que pouco tem a ver com uma forma simples de viver. O clima literário evidentemente não é o mesmo de um Henry Miller vivendo nas encostas de Big Sur, na Califórnia, empurrando pela estrada um carrinho de madeira com as compras do dia.
A jornalista foi bacana com o escritor brasileiro em seu exílio milionário, procurando avivar suas lembranças dos bons tempos da contracultura, ressaltando que os hippies eram “contestadores” e tinham uma rebeldia contra o sistema, rechaçavam o consumismo capitalista, defendiam o amor livre, além de viverem em contato com a natureza. Enfim, nada disso combina com um brasileiro ricaço que optou por viver na Suiça, em uma de suas localidades mais caras. Foi grande a irritação do escritor quando viu cair por terra o apelo de marketing de seu livro. A conversa foi tensa até o final, mas acabou valendo o esforço da jornalista. Não pela vontade do escritor, é claro, mas enfim acabou saindo uma ótima entrevista, a melhor que eu já li com Paulo Coelho.
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POR José Pires
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