quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A narrativa de um processo sem fim no STF

Corre pelas redes sociais o vídeo de uma fala do ministro Luis Roberto Barroso em que ele discorre sobre um exemplo da dificuldade de um julgamento chegar até o seu final no Brasil, com a quantidade de recursos permitidos a um acusado que tenha dinheiro para pagar advogados com experiência e influência nos trâmites para fazer rolar indefinidamente os processos em nosso sistema judiciário. Em uma sessão do STF deste mês, Barroso pegou na pauta do dia o exemplo aleatório de um homicídio ocorrido em 1991.

O andamento do processo parece uma peça de ficção, sendo tão absurdo que pareceria um exagero se fosse inserido em um quadro de humor. Seria difícil também aceitar a situação em um filme dramático. Em um país democrático europeu, por exemplo, as idas e vindas relatadas pelo ministro do STF seriam recebidas com descrédito. Quem acreditaria em um enredo com um país com tamanha dificuldade para um processo chegar ao fim? A enrolação inacreditável define muito bem a condição lamentável da Justiça no Brasil. Por isso fiz a transcrição da fala do ministro do STF.

Vamos ao caso, conforme o relato literal feito pelo ministro Barroso: “Vinda a sentença de pronúncia houve um recurso em sentido estrito. Posteriormente houve a condenação pelo tribunal do júri e foi interposto um recurso de apelação. Mantida a decisão foram interpostos embargos de declaração. Mantida a decisão foi interposto recurso especial. Decidido desfavoravelmente o recurso especial, foram interpostos novos embargos de declaração. Mantida a decisão, foi interposto recurso extraordinário. Porém, do recurso extraordinário, o ministro Ilmar Galvão, estimado ministro Ilmar Galvão, ele inadmitiu o extraordinário. Contra a sua decisão foi interposto um agravo regimental. O agravo regimental foi desprovido pela primeira turma e aí foram interpostos embargos declaratórios, igualmente desprovidos pela primeira turma. Desta decisão foram interpostos novos embargos de declaração redistribuídos ao ministro Carlos Aires Brito. Rejeitados os embargos de declaração, foram interpostos embargos de divergência, distribuídos ao ministro Gilmar Mendes. E da decisão do ministro Gilmar Mendes, que inadmitiu os embargos de divergência, foi interposto agravo regimental, julgado pela ministra Ellen Gracie. E em seguida da decisão da ministra Ellen Gracie foram interpostos embargos de declaração, conhecidos como agravo regimental, aos quais a Segunda Turma negou provimento. Não obstante isso, nós estamos com embargo de declaração no plenário”.

Durante sua fala, Barroso diz que a quantidade de recursos “não parece nem uma novela, parece uma comédia”. Eu diria que pode ser visto também como uma dramática e lucrativa encenação, onde ganham os milionários escritórios de advocacia, porque evidentemente é preciso ter bastante dinheiro para pagar durante muitos anos pelos serviços que podem manter um crime longe de seu julgamento. Perdem as vítimas, é claro. Mantém-se acima da lei que tem dinheiro para comprar tal privilégio. É para este caminho que não chega lugar, incentivando a impunidade, favorecendo a corrupção e tantos outros crimes, que o STF pode empurrar ainda mais a Justiça brasileira a partir da decisão nesta semana sobre a prisão em segunda instância.
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POR José Pires


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Imagem- Fabio Rodrigues Pozzebom, Agência Brasil

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