domingo, 16 de agosto de 2020

George Soros, o demônio da narrativa fraudulenta da direita e da esquerda

O jornal português Público conseguiu realizar uma façanha: publica neste domingo uma entrevista exclusiva com George Soros, personalidade que está o tempo todo nas notícias, mas que dá poucas entrevistas, talvez em parte para poupar o mundo de mais abalos porque  o que ele fala tem um peso que pode causar fortes consequências, até mesmo nas bolsas de valores.

 

Soros completa esta semana 90 anos. Como todos sabem, ele é um dos homens mais ricos do mundo, com uma fortuna adquirida no mercado financeiro, em lances fantásticos como da vez em que, em 1992, quebrou o Banco da Inglaterra. Com o tempo, Soros tornou-se um grande investidor em atividades políticas e na formação de pessoas, colocando muito dinheiro para o estímulo de sociedades abertas, por isso no mundo todo não é bem visto pela direita nem pela esquerda.

 

Que ninguém se assanhe, pois a entrevista neste jornal de Portugal — publicada em parceria com o diário italiano La Repubblica — não é de interesse por nada impactante. A matéria é importante porque traça um perfil muito bem feito de Soros e traz sua opinião sobre o que há de mais expressivo na atualidade, inclusive quanto aos dramáticos efeitos do coronavírus no comportamento humano e na economia global. Sobre a pandemia, ele diz que por exigir instrumentos de vigilância, ela torna aceitáveis instrumentos como os produzidos pela inteligência artificial, o que é um risco para a democracia. Quanto à perturbação provocada pelo vírus (agora rezem), ele diz o seguinte: "Esta é a pior crise da minha vida desde a Segunda Guerra Mundial".

 

Soros é um homem ponderado, faz suas considerações de forma equilibrada, sem ataques ou reações agressivas — ele que é uma das personalidades que mais sofre ataques na atualidade, pela esquerda e a direita. Também não propõe soluções absolutas nem tem receitas prontas na discussão de questões que preocupam o mundo todo, o que não surpreende vindo de um homem que teve como mentor o filósofo Karl Popper. O financista conheceu Popper na London School of Economics, quando foi para a Inglaterra aos 17 anos, depois de fugir da Hungria ocupada militarmente pela União Soviética.

 

Como se vê, não faz sentido algum as idiotices despejadas por uma direita composta de ignorantes e mal intencionados, sobre um George Soros articulado com comunistas para impor uma ordem global autoritária. Isso é uma das maiores besteiras direitistas, que são tantas, mas esta é uma das que tem menos base histórica. Para evitar o anti-semitismo na Hungria na década de 1930, sua família teve até que mudar de sobrenome — do judaico-alemão Schwarz para Soros. Com a invasão do país pelos nazistas, seu pai, Tivadar, ajudou muitos outros perseguidos, isso anos depois dele ter sofrido repressão dos bolcheviques na Rússia, quando fugiu de um campo de prisioneiros na Sibéria, em 1918, em plena revolução comunista.

 

Soros é “um grande crente de uma sociedade aberta”, conforme diz na entrevista, tendo recebido diretamente a influência do grande filósofo na convivência que teve ainda na juventude com Popper, uma experiência existencial que, cá pra nós, é de causar mais inveja que a dinheirama que ele tem. Um livro importante de Popper, A sociedade aberta e seus inimigos, é de 1947, de modo que pelo que Soros conta ele teve a oportunidade de conversar com o próprio autor sobre ideias essenciais na discussão da democracia e do papel do Estado, quando esta grande obra ainda estava na esfera de uns poucos iniciados.

 

Neste ponto, Soros credita ao “duplo pilar da falibilidade e da reflexibilidade” presente na obra de Popper, como um instrumento de previsão dos acontecimentos (no que ele tem toda a razão), com utilidade no sucesso dele no mercado financeiro, para ganhar muito dinheiro. O pensamento de Popper também não permitiria que se estabelecesse nele uma visão favorável ao comunismo, esta cretinice repetida no Brasil por olavistas e bolsonaristas, muito menos de um ponto de vista favorável à China, como esses ignorantes vivem falando.

 

Nesta avaliação geopolítica, Soros vê a China como um perigo para uma sociedade aberta, um risco ainda maior pela liderança dos chineses em inteligência artificial. “A China de hoje é uma ameaça muito maior para as sociedades abertas do que a Rússia”, ele diz, porém deixa claro que nos Estados Unidos existe um consenso bipartidário sobre a China como um rival estratégico. Ou seja: políticos do Partido Democrata têm a mesma preocupação que o presidente Donald Trump, mas na minha visão os democratas podem ser mais eficientes para conter o perigo representado pela China, além de não trazerem com esta luta os componentes lamentáveis de racismo, ataque à liberdade individual e falta de respeito ao próximo, além do favorecimento aos mais ricos, como é próprio de Trump e do mesmo modo repulsivo que faz a direita no Brasil.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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