sábado, 28 de novembro de 2020

Guilherme Boulos: a esquerda brasileira e as ilusões com seu salvador da pátria

A esquerda brasileira tem complicadas relações com os debates políticos, com origem no trauma histórico da derrota de Lula para Fernando Collor, que mesmo passados tantos anos ainda é creditado a uma manipulação da TV Globo. Neste caso, a esquerda é acometida de uma espécie de síndrome que traz o medo e a insegurança de que forças do mal — como se sabe, agindo sempre do lado do adversário — desequilibrem a disputa com manipulações. E nem adianta argumentar que hoje em dia seria ainda mais difícil juntar todos os elementos necessários para a conspiração.

Outro efeito psicológico na esquerda é o de que seus candidatos são os melhores na discussão política. Isso ocorre quando estão levando vantagem. Sempre foi assim nos meios esquerdistas, mas a coisa piorou com as redes sociais, com as novas tecnologias que permitem envolver as pessoas nas mais variadas ilusões, especialmente de que elas é que estão do lado certo. Na passagem do primeiro para o segundo turno surgiu esta crença em torno de Guilherme Boulos, candidato do PSOL a prefeito de São Paulo. Boulos passou a ser apontado como o mais capacitado para ganhar votos em debates políticos.

É uma avaliação equivocada do que vem acontecendo na capital paulista, que subestima todas as outras variantes que ajudaram o candidato do PSOL a passar para o segundo turno. Deram um destaque excessivo apenas para a discutível qualidade retórica do líder de um movimento pela moradia. Neste raciocínio, Boulos seria um mago da comunicação. E claro que tampouco entra nesta conta a qualidade precária como comunicadores dos demais candidatos, defeito do próprio prefeito Bruno Covas, que apesar disso defende sua reeleição neste segundo turno.

Ora, esta avaliação vem de uma esquerda que aposta no ressurgimento de sua vitalidade na política brasileira com uma dobradinha entre Boulos e Luiza Erundina, de modo que, sendo assim, esta crença em incríveis dotes de oratória de Boulos nem pode ser visto como o maior equívoco de uma esquerda que pelo jeito largou definitivamente o trabalho de discutir seus erros e buscar uma renovação.

Não cabe debater ilusões tão equivocadas — tanto dos supostos dotes de Boulos quanto da redenção esquerdista com o PSOL de Erundina, mesmo porque não tenho dúvida de que quebrarão a cara independente da vitória ou da derrota neste domingo. É um fato consolidado esta confiança no gogó de Boulos e o próprio candidato se acha o máximo no convencimento do eleitor e na pretensa habilidade para colocar o adversário em apuros numa discussão.

Essa exagerada crença na própria autossuficiência levou Boulos a correr atrás de debates tanto no primeiro quanto neste segundo turno. O sujeito virou arroz de festa no rádio e na televisão, nas redes sociais, em entrevistas, lives, em encontros com qualquer pessoa disposta a servir de figurante para a encenação eleitoreira de que, como diz a moçada, ele é um cara “de boas”. Essa confiança vinha fazendo o PSOL acreditar numa virada no último debate, já tradicional nas campanhas, produzido pela sempre tão odiada Rede Globo — que neste caso parece que para os esquerdistas passa a ter valor.

Um problema nos planos do candidato é que ele foi contaminado pelo novo coronavírus e a TV Globo já havia adiantado que o debate só aconteceria se fosse presencial. Como é de costume da militância esquerdista, tentaram levantar nas redes sociais acusações à emissora, mas já havia sido avisado com antecedência que não seria feito debate virtual em nenhuma cidade. Ah, sim: Boulos apelou para que a Globo mantivesse o debate mesmo virtual e Bruno Covas concordou.

Não teve o debate, no entanto a contaminação do candidato do PSOL segue sendo o assunto da eleição, agora com a demonstração de que Boulos foi no mínimo descuidado depois de saber que poderia ter se contaminado. Desde que soube que a deputada Sâmia Bomfim estava com Covid-19, Boulos participou de participou de diversos eventos de campanha. Sâmia anunciou que estava com a doença na manhã da última segunda-feira e depois disso Boulos não teve o bom senso de isolar-se, conforme manda o protocolo. Na noite de segunda-feira ele participou do Roda Viva, na presença de jornalistas e funcionários da TV Cultura.

O diagnóstico positivo para a doença veio nesta sexta-feira, mas antes disso Boulos esteve em ao menos sete atos presenciais de campanha. Na afoiteza de explorar a alegada habilidade do gogó, o candidato esquerdista desrespeitou regras para evitar o risco de transmitir a doença, mas deve ter feito isso porque é mensageiro de bem. Aquela velha justificativa de que os fins justificam os meios ganha desse modo uma novidade: o benfeitor pode até estar com a suspeita de ter a Covid-19.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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