terça-feira, 27 de setembro de 2022

Jair Bolsonaro e Lula: para onde vão as massas na campanha e no pós-eleição

Será uma surpresa para mim se Jair Bolsonaro não tiver uma votação expressiva neste primeiro turno. Especialmente nas últimas semanas, apareceram comprovações materiais de um apoio popular à sua candidatura, em manifestações com toda a aparência de espontaneidade, mesmo porque as forças partidárias que apoiam a reeleição do presidente nunca tiveram a capacidade estrutural de levar as massas para as ruas. São partidos com experiência comprovada em arranjos de bastidores e na armação de esquemas de sustentação do governo, seja de que lado for, sem no entanto contar com o antigo aparato do PT, que garante participação com suas linhas de ligação com sindicatos, universidades, organizações civis e até no serviço público.


Entre agosto e setembro quebraram-se também alegações de fragilidade de Bolsonaro para o enfrentamento de entrevistas fora do circuito jornalístico que lhe dá apoio praticamente incondicional. Ele também desmontou com atitudes práticas a afirmação de adversários de que seria um desqualificado para discussão pública com adversários e que por isso fugiria de enfrentá-los em debates.


Ele se saiu bem no Jornal Nacional, a entrevista de maior visibilidade com candidatos neste fim de campanha, ainda mais levando em consideração a desigualdade no tratamento dos entrevistados. O rigor dos apresentadores do noticiário da Rede Globo não mereceria ressalva do ponto de vista jornalístico, se não tivesse ficado muito abaixo em comparação ao que William Bonner e Renata Vasconcelos tiveram com Lula, seu mais importante adversário.


O início da entrevista com Lula vai ficar na carreira de William Bonner como uma mancha complicada de explicar, com uma afirmação que soou como se tivesse sido soprada pelo marqueteiro da campanha petista. Falando sobre corrupção, Bonner disse que o ex-presidente envolvido em dois grandes esquemas de corrupção, o mensalão e o petrolão, “não deve nada à Justiça".


Nem de longe, mas longíssimo mesmo, Bolsonaro recebeu durante a entrevista algo parecido para seu uso político e eleitoral. Ciro Gomes tampouco saiu do programa levando para sua campanha uma conceituação tão favorável em relação a um sério problema de imagem, como aconteceu com Lula. A acolhida favorável tocou numa fragilidade política do petista. Cabe registrar a fala do jornalista da Rede Globo.


“O Supremo Tribunal Federal deu razão, considerou o então juiz Sergio Moro parcial, anulou a condenação do caso do tríplex e anulou também outras ações por ter considerado a vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça”, disse Bonner. O marqueteiro João Santana não faria melhor, nem mesmo o criador original de Lula, o falecido Duda Mendonça. É quase uma sentença de absolvição. Foi a mais fantástica fake news desta eleição, feita ao vivo para milhões de telespectadores pela rede de televisão mais poderosa do país.


Claro que teve um aproveitamento total depois, por Lula e seu marketing de campanha. O petista até agradeceu com cinismo: “Adorei o comportamento do Bonner, quando ele teve a coragem de dizer: ‘Hoje, o senhor não deve nada’”. Depois, a mensagem foi sendo repassada infinitamente nas redes sociais. Equivalente a este mimo político, seria Bonner falar a Bolsonaro que o presidente nada deve em relação ao enfrentamento da pandemia. Ou dizer que Ciro Gomes é uma flor de pessoa.


A desconsideração proposital que era feita a Bolsonaro, de que fugiria de debates em razão de deficiência pessoal, teve também um desmentido cabal com a participação na TV Bandeirantes, no primeiro encontro entre candidatos, com o conhecido peso histórico nas eleições. Neste debate foi também demolido o mito de Lula como um grande debatedor político e obrigou sua retirada de cena, para se expor unicamente para plateias previamente organizadas em ambientes favoráveis.


Não tenho dúvida de que a falta de reação do chefão do PT aos ataques de Bolsonaro acendeu um alarme entre os dirigentes petistas, que até então tinham uma convicção religiosa na inteligência política de Lula e na sua capacidade pessoal em um embate cara a cara com adversários. Para mim, a tática extrema da busca de resolver a eleição no primeiro turno tem mais a ver mesmo com a dificuldade prevista em um encontro frente a frente com Bolsonaro. Na minha opinião, dos candidatos que aí estão, só Ciro Gomes tem garra pessoal para este enfrentamento direto.


O cenário com Lula em um segundo turno, no embate um a um, traz maiores motivos de preocupação. Outra complicação que deve ter causado tremores entre os dirigentes petistas é a dificuldade da campanha em atrair apoio popular visível, mostrando um estímulo eleitoral de massas, para Lula não ser sustentado tanto pelo poder financeiro da campanha – já chegaram no limite de 86 milhões de reais, falando só do oficial. É curioso que não haja uma aclamação nas ruas em torno de um candidato que se diz que vai ganhar no primeiro turno.


Essa ausência das massas populares é mais um acontecimento inesperado para os petistas, igualmente com uma surpresa reversa: é Bolsonaro e não Lula que mostra nas ruas um apoio vibrante de multidões sem uma relação direta com militância partidária ou de classe. São pessoas de idades variadas, muitos jovens e muitas mulheres – é bobagem a gozação esquerdista de que o candidato sustenta-se com seguidores da terceira idade.


O que Bolsonaro e sua equipe vão conquistar em votos com este ambiente favorável à participação popular dependerá da capacidade técnica da sua campanha, que terá sua constatação em poucos dias. Mas o prolongamento dessa força popular é garantido, independente de qualquer resultado eleitoral. E não existe garantia de que com a derrota de Bolsonaro seja bolsonarista este movimento de massas. Já escrevi várias vezes que vejo este amplo posicionamento coletivo contrário à esquerda no Brasil concentrado em Bolsonaro, mas de forma alguma tendo ele como condutor.


É uma massa de brasileiros que vai dar o tom do próximo mandato presidencial, com muita gente pronta para ir às ruas em oposição ao governo de Lula, caso ele seja eleito. Neste caso, cumprindo um papel estabilizador, o que pode ser favorável ao país: na minha visão, um governo petista trará muito risco ao Brasil. E no longo prazo, bem organizada e com boa condução, essa massa de brasileiros poderá dar à política brasileira um clima de maior equilíbrio, em termos de poder em todas as instituições. Como se diz, quando não dá para garantir o que vem pela frente: quem viver, verá.


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