terça-feira, 11 de outubro de 2022

Bolsonaro, Lula e o fascismo como uma palavrinha a mais na política brasileira

Com cinco dias de horário eleitoral neste segundo turno, até agora o que se viu nos programas é um candidato que parece desesperado para ganhar votos e outro que administra o tempo de rádio e televisão com mais tranquilidade, trabalhando para marcar uma imagem de equilíbrio. Bem, tudo estaria normal, se o primeiro candidato de que estou falando fosse Jair Bolsonaro e o outro fosse Lula, afinal o petista entrou nesta fase final da eleição à frente de Bolsonaro, de modo que o marketing deveria trabalhar para firmar essa votação com razoável temperança, palavra que anda desaparecida da gramática e da vida brasileira.


Quem está na frente numa eleição tem que obrigatoriamente usar de moderação na comunicação. Como não é incomum que ataques sejam mal interpretados pelo eleitor e os tiros reverterem para o próprio pé de quem puxou o gatilho, o político que está na frente tem mais a perder do que ganhar em um ambiente de conflito. Como suposto favorito, o candidato do PT deveria estar explorando suas qualidades de modo institucional, em vez de partir para o ataque.


Mas é exatamente um clima de briga que Lula está buscando nos programas do horário eleitoral. Não parece preocupado com as pessoas se matando por política, como costuma dizer em discursos. Ataques pesados a Bolsonaro já começaram no primeiro programa e seguem até agora, quando o petista trouxe a impressionante acusação de que o adversário é um canibal. A criação petista lembra os ataques desleais do PT quando Marina Silva estava para ir ao segundo turno, em 2014.


Na época, Marina foi até acusada de planejar acabar com o pré-sal. O PT acabou com a então candidata, aniquilou a chance do país ter um grande partido como uma via ecológica à esquerda. A condição ambiental terrível de agora em todo o mundo permite uma avaliação retrospectiva do tanto que foi destruído pelo PT há cerca de duas décadas em termos de política de desenvolvimento. Espero que durante a luta em defesa da democracia tirem um tempinho para defender também o meio ambiente.


Mas o que é que Marina Silva tem a ver com Bolsonaro, em matéria de embate eleitoral? Afinal, Bolsonaro é do mal e ela é tão boazinha, não? Puxei de propósito a ex-companheira que voltou aos braços de Lula, porque em razão do comportamento asqueroso de Bolsonaro e de suas maldades, criou-se uma flexibilização da ética que pode fixar a noção falsa de que a imoralidade é relativa ao uso que se faz dela. O PT cresceu fazendo uso da aceitação de golpes baixos quando isso lhe convém, até que seu relativismo hipócrita resultou numa monstruosidade à direita.


A única prova de que Bolsonaro é um canibal pode ser colhida apenas como metáfora, na deglutição dos métodos petistas para adquirir força política e ganhar a eleição para presidente em 2018. O bolsonarismo é antropofagia total, devorando o legado do PT. Agora, ainda há pouco, houve outra canibalização do que os petistas costumam fazer no poder, com o uso eleitoral por Bolsonaro do Auxílio Brasil, que só foi possível porque em quatro mandatos com Lula mandando no governo federal, o PT não implantou nenhuma assistência social na forma de política pública. É sempre como se fosse uma esmola, deixando os mais pobres na condição de massa de manobra. E Bolsonaro gostou da coisa.


É a velha história do bico entortado pelo uso do cachimbo, que tem também o hábito irremovível do “nós contra eles”. Cabe lembrar que isso vem muito lá de trás, logo que começou a abertura democrática no final dos anos 70, que já nasceu com os petistas tratando o lado democrático com mais ferocidade até do que usavam contra os setores mais conservadores. Seus dirigentes sabiam que era desta via progressista que podia-se sugar a força da construção de seu partido.


Tancredo Neves, Franco Montoro, Mário Covas e até mesmo Leonel Brizola, os petistas tratavam mal qualquer um do setor democrático, nos primeiros anos muito difíceis da passagem da ditadura militar para o poder civil. Lula chegou a ser vaiado no enterro de Brizola, de tanto que havia destratado o político gaúcho. Nem Itamar Franco recebeu o apoio do PT no seu corajoso governo de transição, em um período em que setores extremistas entre os militares ainda cobiçavam uma volta ao poder.


Até existe quem minimize as más intenções de Bolsonaro, o que não é o meu caso. Porém, a sua derrota feita desse modo vai com certeza turbinar um ambiente de cultura política de direita que já está estabelecido, em grande parte por responsabilidade de uma esquerda identitária, racialista e de um feminismo partidário e radical, nascida de táticas eleitorais do PT.


Ora, passados quatro mandatos consecutivos petistas, além do PT ter sido governo em vários estados e cidades grandes, o partido de Lula não consegue levar à frente uma campanha sustentada pela exposição de qualidades administrativas e políticas. Lula não tem um partido, mas um paradoxo: o pessoal que propagandeia seus valores políticos precisa apelar, tentando colar no opositor a pecha de canibal. Mais, ainda: os revolucionários da distribuição de renda e do desenvolvimentismo precisam do aval dos economistas tucanos, liberais que viraram banqueiros. Não dá para ter dúvida de que isso vai pesar bastante na hora do eleitor ter que escolher o menos pior.


O partido de Lula faz essas maldades durante disputas eleitorais e depois, perdendo ou ganhando a eleição, acabam ficando sem o controle das consequências sociais. Ganhar de Bolsonaro com fake news de canibalismo vai facilitar para a direita extrair ainda mais força, logo adiante, solidificando o apoio de pelo menos metade da população do país. Imaginem o que se pode fazer politicamente com essa multidão que guarda com fervor a camiseta verde-amarela e a bandeira, para sair às ruas quando é chamada. Mas é assim mesmo: quem chama o adversário de canibal, dificilmente tem noção dos riscos políticos de um vale tudo eleitoral. Ou não está nem aí para as consequências de ganhar a qualquer preço.


É o que vem acontecendo nesta manipulação da linguagem, entre tantas definições que servem apenas como insulto, como no exemplo desta irresponsável conversa de “fascista”, algo que Bolsonaro nunca teve como ideário, além de não ter personalidade firme o suficiente para liderar um movimento com tamanha responsabilidade ideológica. O que o PT vem conseguindo impor, no entanto, é a naturalização desse termo, fora do contexto e sem que população tenha noção do terror que historicamente foi o fascismo. Desse desconhecimento até o “por que não fascismo?” pode ser um pequeno passo.


A direita brasileira não tem plano de ação algum, mas a partir do ano que vem poderá aparecer essa necessidade, com lideranças adquirindo mais noção de que é necessário uma organização, senão ideológica, mas ao menos política, para aproveitar o fenômeno de massas à direita que formou-se durante esta eleição. Tomara que não surja nenhum grande líder para aplicar na prática essa acusação feita pelo PT. Aí a esquerda vai sentir o que é encarar um canibal.

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