terça-feira, 21 de março de 2023

Lula e seu governo do vai-não-vai

Com o PT completando 70 dias no governo, uma pergunta une os eleitores que votaram contra ou a favor da volta de Lula ao poder — ou ao local do crime, como falava seu vice Geraldo Alckmin. Já vamos para o final dos 100 dias, que no Brasil é um costume político reservar como um período de espera dos passos fundamentais de um governo novo. Mas com a crise atual, os problemas exigem pressa. Da parte de seus eleitores como também da oposição, agora nós temos um posicionamento diferente, numa pergunta que une a todos: quando afinal Lula vai começar a governar?


Até aqui o que se vê é um festival de cabeçadas, com coisas até muito engraçadas, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atuando como se fosse da oposição, com a suspeita inclusive de ter o plano de derrubar o companheiro Fernando Haddad, que se vê claramente que ela não queria no Ministério da Fazenda. Pode-se assistir também ao ministro da Previdência governando por conta própria, ele que no primeiro turno da eleição era parceiro de Ciro Gomes, que dizia as piores coisas de Lula, alertando até do desastre que seria mais um então provável governo do PT.


E aí estão juntos Luppi e o perigosíssimo Lula, mas, enfim, a política brasileira é assim. E Luppi já vem mostrando serviço. Diga-se a seu favor que é bem no estilo de Ciro Gomes. Nos primeiros dias no Ministério da Previdência, ele apontou a necessidade de rever a reforma da Previdência. Mas não parou aí. E na semana passada, provou que não lhe falta “vontade política”, como a esquerda costuma dizer. Veio com a redução do teto da taxa de juros cobrada em empréstimos consignados de beneficiários do INSS.


De uma hora pra outra, os juros caíram de 2,14% para 1,70% ao mês. Talvez Luppi tenha ficado animado pelas teorias econômicas de seu chefe Lula, que vinha afirmando que a bonança econômica e produtiva depende basicamente de uma canetada mais generosa do presidente do Banco Central. Porém, aqui tivemos um efeito econômico que pode ser bem definido pelo famoso paradigma do craque Garrincha: faltou combinar com quem concede o crédito. De imediato, os bancos fecharam a linha de crédito consignado, medida acompanhada até mesmo por instituições públicas, como o Banco do Brasil e a Caixa.


Então o povo tomou uma rápida lição de macroeconomia, de forma prática e eficaz, o que acaba sendo de utilidade como demonstração das bobagens que Lula anda falando sobre economia, coisa que do mesmo modo que o presidente anterior, Jair Bolsonaro, ele desconhece em profundidade, porém sem a sinceridade do outro, que nunca escondeu essa ignorância.


É possível se alongar no relato dos enganos em que Lula se meteu até agora. Por exemplo, o que falar de um presidente que vê a militância bolsonarista chegando em Brasília em ônibus lotados e sai de viagem deixando o palácio de governo sem nenhuma proteção? É uma enorme quantidade de trapalhadas, algumas até muito suspeitas, como essa do palácio liberado aos vândalos.


Mas eu comentava sobre os 70 dias de governo. Bem, cabe lembrar que o PT teve também um governo de transição que começou no início de novembro do ano passado. Com mais de 900 integrantes, foi um recorde histórico, além de que a imprensa e o próprio PT concederam um prestígio também inédito aos nomes anunciados para uma tarefa, que até então tinha a função ordinária de saber a quantas andava a máquina administrativa.


E o PT, como todos sabem, esteve durante três mandatos no governo federal. Isso não não faz muito tempo, de modo que aumenta a obrigação do conhecimento dos problemas nacionais, até porque, no poder, o partido de Lula contribuiu até com certa animação para piorar o que já estava desagradável e até criar algumas complicações novas.


Os petistas amargam uma herança construída por eles mesmos, que agora vem atrapalhando a antiga tática de colocar a culpa nos outros. Mesmo sucedendo a um governo péssimo como o de Bolsonaro, não existe nenhum problema agravado pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos que não tenha origem nos doze anos do PT no poder.


A esta radiografia do histórico desse partido deve ser acrescentada a sua interação com instituições importantes do país, no meio acadêmico com todo o aparelhamento político nas universidades que interfere até na cabeça de quem sai com o diploma, nos sindicatos, igualmente na imprensa, nas entidades privadas e claro que também nas organizações políticas das cidades e do campo, essas mais para fustigar adversários e fazer o elogio do PT por meio da bagunça e da violência. Tudo isso deveria servir para um acompanhamento sobre os problemas brasileiros e o encontro de soluções que possam ser colocadas em prática.


É toda uma teia de relacionamentos e influências que não permite alegar desconhecimento sobre o que se passa na vida nacional. Então cadê os planos de ação? De um partido como esse, o esperado era que já tivessem à mão ao menos o controle sobre os graves problemas do país. Qualquer reação de surpresa não passa de encenação, no engodo para afastar a atenção sobre a responsabilidade histórica do próprio PT e para evitar que a opinião pública faça a cobrança de ações efetivas com o ritmo em consonância com a urgência dos problemas.


Um partido com esta larga experiência tinha a obrigação de ter para aplicação imediata medidas econômicas eficazes para a crise braba que aí está e que tende a piorar. O que ocorre, no entanto, é a correria de Haddad, de um lado para o outro, na tentativa de conquistar a aprovação de Lula e até da Casa Civil — na mão do ex-governador Rui Costa, que da Bahia, onde o PT está no poder há quase vinte anos, trouxe como realização de destaque a nomeação de sua mulher no Tribunal de Contas do estado.


Para um comparativo de competências, lembro que Itamar Franco assumiu o governo em 29 de dezembro de 1992, depois da queda de Fernando Collor. Virou presidente com o país numa situação muito mais complicada, na política e na economia. O estrago era geral, com o poder civil inclusive ameaçado. Não tinha experiência no governo federal, nem era de um grupo político com esta bagagem. Em julho de 1994 o país já tinha uma nova moeda, com o Plano Real em vigor.


Ah, sim: os economistas do Real estão ainda por aí, obviamente mais maduros. À esquerda deles, do ponto de vista da teoria econômica, deve existir também economistas capazes ou pelo menos a esquerda deveria ter gente assim à disposição. E na sociedade brasileira a destruição cultural ainda não é tanta que não permita encontrar muita gente com ideias de qualidade neste e noutros campos. Ora, mas aí o conceito de “frente ampla” teria de ser verdadeiro e não apenas propaganda. A férrea hegemonia petista jamais permitiria algo assim.


Mas, como dizem as notícias, o arcabouço fiscal vem aí. Só não se sabe quando. O que já está certo, pelo modo que a coisa vem sendo tocada, é que quando chegar já não terá o impacto de influenciar formas mais responsáveis de administrar a coisa pública pelo país afora. Nesta toada, diga-se também, Haddad encaixa-se no governo e na sociedade com sua credibilidade ainda menor do que já era quando foi anunciado por Lula.


Ninguém se engana mais. É até patético assistir a Lula e seu partido tentando esconder que não sabem o que fazer. No terceiro governo de Lula, o quinto do PT, o que se vê é que nesse tempo todo não tiveram o trabalho sequer de avaliar os próprios erros. Parecem dispostos a repetir o que comprovadamente não deu certo. Isso pode ser tomado como mera teimosia, que não é exatamente o diagnóstico sobre um comportamento que tem como destino o abismo. O que temos no poder é um método, uma consciência autoritária e inamovível que não permite sequer a confrontação de hipóteses. O que nos salva do pior é que, pelo menos até agora, eles nunca conseguiram os meios que obriguem o país a se sujeitar totalmente aos seus planos.

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Por José Pires

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