Nesta morte do Celso Daniel este lado humano foi muito pesado. Todas as pessoas que o cercavam quando ele era vivo e tinha poder político passaram a agir para que o assasinato não fosse investigado a fundo. Com a exceção dos irmãos do político petista, todos agiram para que sua morte fosse esquecida, agarrando-se com teimosia e de forma suspeita à tese do crime comum.
Logo depois de sua morte o partido de Celso Daniel foi para o poder, onde permanece até hoje, passados quase oito anos. E e se alguma movimentação houve neste período da parte dos que eram seus amigos quando ele estava vivo, esta movimentação foi sempre no sentido contrário ao do esclarecimento do crime.
A tese do crime comum foi agitada o tempo todo, como se fosse uma bandeira política do partido. E não se admitia de forma alguma que as investigações fossem retomadas.
Mas a família de Celso Daniel não concordou e buscou um esclarecimento do assassinato. E foram muito pressionados por isso. Seus dois irmãos nunca aceitaram a tese de crime comum e se movimentaram de forma admirável pelo esclarecimento dos fatos. Por isso foram ameaçados de morte e tiveram que sair do país. Hoje eles vivem na França, onde são reconhecidos oficialmente como exilados brasileiros.
A denúncia sobre a propina na prefeitura admnistrada por Celso Daniel e que teria sido a origem da sua morte, agora aceita pela Justiça após investigações do Ministério Público, é em bases parecidas com o que um desses irmãos do prefeito, João Francisco Daniel, vem dizendo desde que aconteceu o crime. Já na época do crime ele afirmava que seis dias depois da execução do prefeito o atual chefe de gabinete de Lula o procurou e disse, na presença de duas testemunhas, que entregava o dinheiro a José Dirceu.
João Francisco disse em depoimento na CPI dos Bingos que Carvalho contou isso para ele “três vezes” e que o chefe de gabinete de Lula dizia também que sentia medo de transportar tanto dinheiro (uma vez foi R$ 1,2 milhão) em seu Corsa preto. Entre outras coisas, por causa de histórias como essa é que o irmão de Celso Daniel pelejou para que o caso não fosse encerrado com a versão de crime comum.
Já Gilberto Carvalho, que hoje trabalha na maior proximidade com Lula, no gabinete ao lado da sala da Presidência da República e em contato diário com o presidente, que se prolonga até em finais-de-semana e em ocasiões íntimas, já que os dois são muito próximos há bastante tempo, nunca usou este poder que não fosse para brecar o interesse da imprensa sobre o assunto e tentar impedir qualquer aprofundamento da investigação. Ele fez tudo o que podia para que o inquérito concluísse com a versão de crime comum.
É uma história pesada, bem pesada. E não só porque envolve o assassinato de uma pessoa fundamental no esquema de poder que depois viria a governar o país, mas também por esta estranha atitude dos companheiros de partido e até de amigos bem próximos do morto de tentar encerrar o caso de qualquer forma.
É o “crime comum” mais estranho que já se viu e não só pela importância do morto. Depois do assassinato de Daniel morreram tantas pessoas ligadas diretamente ao caso e em circunstâncias tão incomuns que até num filme policial pareceria demais. Contando o prefeito, foram oito mortes.
Foi assassinado até o garçom do restaurante onde Sombra e Celso Daniel jantaram antes do crime. Antônio Palácio foi morto em fevereiro de 2003 e no mesmo mês mataram uma pessoa que havia presenciado sua morte. O sitiante que foi a primeira pessoa a identificar o corpo do prefeito abandonado em uma estrada foi assassinado com dois tiros em dezembro de 2003. O legista Carlos Delmonte Printes, que fez a autópsia no corpo de Celso Daniel foi encontrado morto em outubro de 2005 em seu escritório.
Essas mortes dariam para compor um enredo extraordinário, mas tão estranho, que haveria dificuldade até de ser aceito por um diretor de cinema. Se os responsáveis pelos dois filmes da Tropa de Elite estiverem atrás de uma boa história, aí está. Mas terão que cortar muita coisa, para que a platéia aceite o filme extraordinário que um caso desses pode dar.
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POR José Pires
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