terça-feira, 15 de março de 2011

No Japão até as boas notícias dão medo

A dimensão do acidente nuclear em Fukushima, no Japão, revela-se cada vez maior. É o gato japonês já no telhado. Já se teme um desastre nuclear. Neste tipo de problema a gente pode avaliar o perigo pelas boas notícias. O Japão informou à ONU que os níveis de radioatividade na porta da central nuclear estão baixando. É claro que esta é a boa notícia. Mas o problema é que os níveis estão muito acima do normal. E não é uma boa notícia para o náufrago avisar que ele vai se afogar, mas não é com tanta água. E com acidente nuclear é assim. Até boa notícia faz todo mundo ter vontade de sair correndo.

Ontem, como informei aqui, o presidente da agência de segurança nuclear da França, André-Claude Lacoste, havia situado em gravidade o desastre japonês além de Three Miles Island. A agência francesa posicionou o acidente no nível 4 (acidente com consequências de alcance local). Hoje a agência elevou o acidente ao nível 6 (influências externas longas). E a escala vai até 7 (catástrofe local com consequências globais).

Também nesta terça-feira, o primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan, em discurso televisionado deu a notícia de que a radiação se espalhou por quatro dos seis reatores da usina Fukushima. Até ontem 200 mil pessoas haviam sido retiradas da região. Yukio Edano, secretário do gabinete do primeiro-ministro, também admitiu que a radiação atingiu um nível que pode prejudicar a saúde. O governo japonês também ordenou que 140 mil pessoas evitem contato com o ar contaminado de material radioativo.

A agência de notícias Kyodo informou que já foram detectadas pequenas quantidades de radiação em Tókio. A embaixada da França no Japão recomendou a seus compatriotas que vivem na capital japonesa que evitem sair às ruas.

A França expressa claramente que considera o acidente em Fukushima pior do que dizem as autoridades japonesas. E como sabemos como se estabelece as relações entre nações poderosas, dá para suspeitar que os franceses mantêm em protocolar segredo tudo o que sabem, mas não podem conter-se de todo para não serem acusados futuramente por alguma conivência. Esta é uma visão pessoal, é claro. E espero sinceramente estar errado.

Outro sintoma de que o problema é bem maior do que as autoridades japonesas tentam fazer parecer é a opinião dos lobbies de defesa do uso da energia nuclear. Apesar de se manterem na defesa do uso dessa perigosa energia, nem eles se arriscam a expor otimismo com o que acontece no Japão.

Maria Teresa Domínguez, presidente do Foro Nuclear, um organismo que exerce lobby para as seis usinas nucelares da Espanha, mostra preocupação. Para ela, “o uso de água do mar demonstra o desespero da situação”.

A bem da verdade, a cena de dezenas de japoneses jogando desesperadamente água do mar para desaquecer o reator nuclear desmistifica de forma patética todo o conjunto de sofisticação tecnológica e responsabilidade criado em torno deste assunto. O lobby nuclear age desse modo para evitar que as pessoas vejam a questão dentro do contexto humano, onde o acaso e a falha fazem morada permanente.

Em um terremoto, num tsunami, um incêndio florestal, nos mais variados problemas que afetam nossa vida erro pode ser contornado ou até sanado. Em casos assim, pode-se até consumir muitos anos para que os danos sejam minimizados, mas com o tempo é possível consertar a vida. Com a energia atômica não dá para errar.

Daí o esforço do lobby nuclear para tirar o tema do meio das demais considerações técnicas que envolvem todas as atividades humanas. No entanto, os japoneses desesperados jogando água em um reator nuclear tiram o debate do nível de propaganda desejado pelo lobby para que o problema seja encarado no nível humano.

Concorre também para abalar o mito de que é possível o controle da energia atômica o fato do acidente nuclear ter acontecido no Japão, um país que além do altíssimo poder econômico e tecnológico também conta com a fama de ter um povo extremamente disciplinado e de altíssima responsabilidade.

Porém, também neste caso a realidade impõe-se a verdade inamovível de que, no final, estamos todos presos à escala do humano, com o potencial de falhas e deslizes de que todos somos capazes.

Uma notícia que, para mim, contribui mais um pouco para humanizar nossos irmãos amarelos surgiu há pouco. O primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, ficou bastante bravo com a Tokyo Electric Power Co. (Tepco), empresa que administra a central nuclear. Ele demorou muito para ser informado da última explosão de Fukushima I, a terceira explosão desde o início do acidente.

Segundo a agência Kyodo, o primeiro-ministro perguntou aos responsáveis pela central nuclear o seguinte: “Que diabos está se passando? A televisão informou sobre uma explosão, mas durante uma hora nada foi informado ao gabinete”.
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POR José Pires

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