Li em vários lugares que a morte de Millôr Fernandes foi uma "perda irreparável", assim como também vi essa mesma expressão que não significa absolutamente nada ser usada em relação ao Chico Anysio. Agora foi a ministra da Cultura que veio com essa conversa de "perda irreparável", falando sobre o Millôr. Bem, a perda de um ser humano é sempre irreparável. Ainda não foi inventado um jeito de substituir uma pessoa depois que ela morre.
Mas quanto à discussão da perda de criadores como Chico Anysio ou Millôr, "perda irreparável" só existe porque vivemos num país onde não existe permanência e muito menos continuidade em qualquer coisa, seja na questão criativa, técnica ou intelectual.
E esse negócio de "perda irreparável" vem da repetição da falta do que falar que nos acomete nos velórios. Como não dá para dizer a nenhuma viúva um "até que enfim", vamos mesmo de "perda irreparável". Nâo é lá essas coisas, mas soa melhor do que "morreu como um passarinho", "parece que está dormindo", ou qualquer outro jargão.
Mas, que uma ministra da Cultura venha com papo de velório é bem um sinal dos tempos. Hoje em dia, até para chorar os mortos o que move as pessoas é a projeção na dita mídia. Há cerca de duas semanas morreu também Aziz Ab'Saber, pesquisador, geógrafo, um sábio com uma obra da maior qualidade, um homem com um pensamento original, tão bom que o estilo inteligentíssimo se via até nas entrevistas.
Se fosse possível comparar atividades tão diferentes, pode ser até que alguém provasse que a contribuição de Ab'Saber em seu campo tenha sido maior do que a de Chico Anysio ou Millôr. Não é o caso de ir por aí, mas o fato é que menor sua contribuição não é. No entanto, pouco se ouviu falar em "perda irreparável" quanto ao fim do geógrafo.
Então chega desse negócio de "perda irreparável" cada vez que morre alguém de extrema qualidade do ponto de vista técnico ou criativo. É bem verdade que quando morre um Millôr, um Chico Anysio, um Ab'Saber, ocorre sempre uma interrupção de todo um processo que deveria se estender por outras gerações e não ser enterrado com eles. Mas aí é porque o Brasil é que é irreparável.
.....................
POR José Pires
....................
Mas quanto à discussão da perda de criadores como Chico Anysio ou Millôr, "perda irreparável" só existe porque vivemos num país onde não existe permanência e muito menos continuidade em qualquer coisa, seja na questão criativa, técnica ou intelectual.
E esse negócio de "perda irreparável" vem da repetição da falta do que falar que nos acomete nos velórios. Como não dá para dizer a nenhuma viúva um "até que enfim", vamos mesmo de "perda irreparável". Nâo é lá essas coisas, mas soa melhor do que "morreu como um passarinho", "parece que está dormindo", ou qualquer outro jargão.
Mas, que uma ministra da Cultura venha com papo de velório é bem um sinal dos tempos. Hoje em dia, até para chorar os mortos o que move as pessoas é a projeção na dita mídia. Há cerca de duas semanas morreu também Aziz Ab'Saber, pesquisador, geógrafo, um sábio com uma obra da maior qualidade, um homem com um pensamento original, tão bom que o estilo inteligentíssimo se via até nas entrevistas.
Se fosse possível comparar atividades tão diferentes, pode ser até que alguém provasse que a contribuição de Ab'Saber em seu campo tenha sido maior do que a de Chico Anysio ou Millôr. Não é o caso de ir por aí, mas o fato é que menor sua contribuição não é. No entanto, pouco se ouviu falar em "perda irreparável" quanto ao fim do geógrafo.
Então chega desse negócio de "perda irreparável" cada vez que morre alguém de extrema qualidade do ponto de vista técnico ou criativo. É bem verdade que quando morre um Millôr, um Chico Anysio, um Ab'Saber, ocorre sempre uma interrupção de todo um processo que deveria se estender por outras gerações e não ser enterrado com eles. Mas aí é porque o Brasil é que é irreparável.
.....................
POR José Pires
....................
Imagem: Desenho de Millôr Fernandes em um fúnebre hai-kai