terça-feira, 24 de junho de 2014

Já vai tarde

O senador José Sarney é um histórico estraga-prazeres. Quando o Brasil saia da ditadura militar, em 1985, esperava-se com a eleição de Tancredo Neves um reordenamento da vida política brasileira. Mas aí aconteceu com a saúde dele aquilo que todo mundo sabe. Para um país que tinha esperança de começar a traçar um caminho mais decente foram dois choques: a morte de quem encarnava esta esperança e aparição súbita de um político desprezível, que estava como vice de Tancredo exatamente pela deslealdade que tivera com os militares que deram sustentação à sua carreira política e até ali davam o reforço das armas para seu domínio sobre o estado do Maranhão.

O estraga-prazeres era José Sarney, que acabou assumindo a presidência. O país ainda vivia o temor de um retrocesso político e por isso não conseguiu tomar a medida mais certa, que era chutar Sarney para o lixo da História, dar a posse ao presidente da Câmara dos Deputados e seguir os trâmites legais da redemocratização. Bem, quem estava lá naquela época sabe que essa medida que hoje parece tão simples era de uma complicação sem tamanho para aquele Brasil ainda com os coturnos às suas costas. Com Sarney, em vez de um reordenamento de qualidade armou-se no governo a máquina da corrupção e da incompetência que aí está até hoje.

Nesta segunda-feira, Sarney anunciou que não vai tentar a reeleição ao Senado. É mesmo um estraga-prazeres. Vai tirar o gostinho dos eleitores do Amapá de chutar-lhe o traseiro pelo voto, dando também ao país a satisfação de uma limpeza de forma objetiva, sem a chance dessa fuga de uma derrota certa desta vez. Sua eleição ao Senado em 2006 já foi por pouco. Por pouco não foi derrotado pela então desconhecida Cristina Almeida, do PSB. Mas o jogo foi pesado. Sarney fazia dobradinha com Lula, com quem depois deu seguimento ao usufruto do poder sem nenhum escrúpulo, um projeto de vida que se deu muito bem com a forma do PT fazer política.

A própria situação de Sarney como senador do Amapá é uma demonstração do estado de decadência ética da política brasileira e até da falta de respeito à regras básicas, tal como o político residir de fato no seu assim chamado "domicílio eleitoral". Sarney nem aparece no Amapá, estado onde ele já ganhou três mandatos. Em 2013 esteve apenas duas vezes na capital, Macapá. A casa onde legalmente é seu domícilio eleitoral está fechada. Nesta última segunda-feira ele esteve no estado e foi bastante vaiado numa cerimônia, ao lado da presidente Dilma Rousseff. O anúncio da sua desistência veio logo depois da notícias das vaias. É uma saída melancólica da política, mas não deixa de ser também melancólica para o Brasil, um país que não teve meios para impedir pelas vias legais e pelo voto uma carreira política tão nefasta.
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POR José Pires

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