sexta-feira, 25 de julho de 2014

Dilma Roussef e a obra do mestre Suassuna

O que é que a presidente Dilma Rousseff foi fazer no enterro de Ariano Suassuna? Duvido que ela tenha lido alguma obra dele e ela também nunca teve nenhuma intimidade com o escritor. Dá para alguém imaginar Dilma lendo "Romance d'A pedra do Reino"? É o grande livro de Suassuna e uma das obras-primas da nossa literatura. Pode-se até dizer que é uma grande obra universal, de todo o mundo. Mas é intraduzível para outra língua. E não é um romance de fácil leitura. Suassuna juntou várias linguagens, tantas delas que a definição de "romance" deve ser usada neste caso apenas porque é necessário uma palavra para definir a beleza que extraiu da vida nordestina, com aqueles traços de cultura antiga que ele pôs em tudo que criou. Nestes escritos está a sua filosofia cultural, chamada por ele de "armorial" e da qual saíram caminhos para as mais variadas artes, inclusive as artes plásticas. Suassuna talvez seja o único escritor brasileiro que além de fazer seus livros tinha a intenção de criar em torno deles praticamente um sistema filosófico, uma estrutura que buscava abarcar todo o universo das artes, inclusive conceitos de difusão da cultura. Ele foi secretário da Cultura de Pernambuco, no governo do candidato do PSB, Eduardo Campos.

Dilma não tem interesse nessas coisas. Se conhece algo de Suassuna ela deve ter visto pela TV, naquela adaptação muito boa feita pela TV Globo da peça "O auto da compadecida". A presença da presidente no velório se deve apenas ao oportunismo político, que ela transferiu de seu chefe, o ex-presidente Lula. Em ano de eleição, o comportamento do PT é o da demagogia sentimental comum na política. Sai pegando em alça de caixão. Desde que isso renda voto, é claro. A candidatura de Dilma sofreu um baque em regiões importantes, no sul e no sudeste, então o PT precisa manter a força que sempre teve em campanhas presidenciais no Nordeste.

O ex-presidente Lula sempre foi um ignorante tão sincero que até criou uma imagem pitoresca do sujeito que nada lê e nem estuda. É a velha história do sujeito que vence na vida apesar da falta de estudo. Ele se gaba disso e está errado na propaganda dessa ignorância de resultados. Isso desestimula o respeito à educação e à cultura. Porém, pelo menos neste caso (talvez o único) Lula tem a honestidade de não fingir ser o que não é. Dilma não. Ela posa de figura com boa formação intelectual, o que é desmentido pelo conteúdo de qualquer fala sua.

Mas alguém pode dizer que na presidência da República um político deve prestar homenagem póstuma a uma personalidade destacada da nossa literatura. Então por que ela não foi ao enterro do João Ubaldo Ribeiro? Ou do Rubem Alves? Ora, porque sua presença nesse velórios não renderia o que o PT precisa no momento para sua candidatura. Só isso. E se Dilma era tão chegada ao Suassuna, a ponto de ir ao seu enterro, então é o caso de perguntar de que forma que as ideias culturais do escritor foram aplicadas no governo do PT. Não foram. E isso é uma lástima, porque Suassuna tinha boas ótimas de valorização da cultura popular e de aproveitamento prático do conteúdo da cultura tradicional do povo. Coisas belíssimas foram extraídas por ele das ruas e transformadas em cultura de alta qualidade, inclusive de valor erudito.

E onde foi que Dilma e seu PT aplicaram estes ensinamentos do mestre nordestino nesses 12 anos — sim, tudo isso — de governo? Em lugar algum. A qualidade cultural da obra de Ariano Suassuna só é conhecida mais amplamente no Brasil graças ao trabalho primoroso da Rede Globo — a Globo tão atacada com desrespeito pela militância petista —, que não só levou ao ar obras dele como também incorporou influências em vários outros trabalhos. É muito interessante esta contradição, que bate de frente inclusive com o pensamento político de Suassuna, que era populista e autoritário em excesso. A obra do mestre não teve aplicação da parte do Estado. Sua popularidade nacional hoje em dia se deve exclusivamente à iniciativa privada.
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POR José Pires

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