terça-feira, 19 de agosto de 2014

Política em família

Já aparece a notícia de que Renata Campos, a viúva de Eduardo Campos, não quer ser vice-presidente na chapa de Marina Silva. É provável mesmo que não seja, até por efeito de conselhos de quem conhece mais o Brasil e sabe que mesmo nesta condição patética atual da política brasileira o sentimentalismo têm limites. O país vai muito mal na área política, mas o conjunto da população ainda não desceu tanto para aceitar práticas oligárquicas de forma passiva. E mesmo um marqueteiro pode demonstrar que a entrada da viúva na chapa da pessoa que assume o lugar do candidato morto seria um equívoco político que já de início poderia afastar muitas adesões que Marina precisa para crescer entre o eleitorado.

Um argumento prático também é o de que legalmente isso não seria possível. Renata é funcionária do TCE pernambucano, o que obriga ao afastamento por pelo menos 90 dias antes da eleição. Mas o que importa é a cogitação de seu nome. Isso já foi uma péssima demonstração do andar da política no Brasil e também da falta de senso crítico que domina a nossa imprensa. A notícia dela como vice foi recebida como se fosse um fato natural da política. Pouquíssimos jornalistas viram de forma crítica esta absurda especulação, entre eles o sempre atento Reinaldo Azevedo, que em seu blog no site da revista Veja analisa variados assuntos com uma alta qualidade de conteúdo, independente da sua posição política.

Com os acontecimentos em torno da morte do candidato do PSB eu ando tendo vergonha alheia numa amplidão que nem imaginava ser possível. Quando leio que Eduardo Campos foi um "político moderno" até temo ter de passar a alimentar uma úlcera com bocadinhos de leite, como fazia o grande Nelson Rodrigues. Eu já não tinha uma boa impressão do estado a que chegou o nosso país, mas os limites do bom senso vêm sendo rompidos de uma forma que dá vergonha alheia de multidões. O palanque eleitoral criado nas cerimônias fúnebres de Eduardo Campos foi até triste. E me recuso a ver aquilo como um hábito de determinada região. Nunca soube de nada igual ao velório eleitoral em nenhum outro lugar, mas o uso da demagogia e do falso sentimentalismo está por todo o país.

As oligarquias também espalham suas raízes em vários estados. Até o candidato tucano Aécio Neves tem na carreira traços oligárquicos, que não são mais marcantes na política mineira não por uma consciência própria do candidato, mas porque as condições de seu estado não permitem que Minas Gerais se torne terra apenas dos Neves. O favorecimento da própria família à custa dos cofres públicos é um hábito também do ex-presidente Lula, que para isso até mudou com sua assinatura como presidente uma lei de telecomunicações. E no Congresso Nacional são feitas triangulações em que parlamentares se ajudam mutuamente empregando parentes entre si.

Já faz tempo que a política vem tendo um amplo domínio dos laços familiares de políticos. E esta é uma descaracterização das mais graves, que acaba impedindo que a representação política sirva para cuidar do bem comum. A qualidade na administração pública é incompatível com o interesse de famílias. Hoje em dia já se sabe até dos efeitos negativos muito graves que a ingerência familiar pode provocar mesmo na iniciativa privada. Com os negócios públicos é pior. A proposta de ter a viúva de um candidato como vice numa chapa presidencial da importância da chapa do PSB mostra o risco que a deformação da política vem trazendo a nossa democracia. E o fato dessa ideia ter sido recebida de forma tão acrítica pela imprensa e a classe política mostra que o Brasil corre um perigo sério.
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POR José Pires

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