terça-feira, 30 de setembro de 2014

Um grande ex-presidente

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é o político brasileiro que mais sabe levar a vida. Ou deixar a vida levá-lo, conforme a lição do belo samba cantado por Zeca Pagodinho. Sempre foi assim. Como presidente da República pegou os piores tempos deste país depois da abertura política. A economia mundial era um problema o tempo todo. Naquela época ele tinha também a pior oposição, que era feita por um PT sem nenhuma responsabilidade com o país. No entanto, ele conduziu bem essa relação difícil, sem ceder às chantagens petistas e nem extrapolar politicamente, mantendo na presidência da República o bom senso mesmo diante das provocações mais baixas, como aconteceu daquela vez em que o MST invadiu uma propriedade rural da sua família e posou para fotos fazendo baixarias na casa da propriedade.

Mesmo naqueles dias difíceis, Fernando Henrique mantinha o bom humor. Piadista, de vez em quando aparecia alguma boa gozação dele nos jornais, às vezes sobre politicões que tinham contato frequente com ele. Também costumava revelar certas encenações em torno do poder, como as daqueles políticos que se reúnem com o presidente e depois saem vazando pra imprensa. Ele diz que todos fazem isso. E dão versões que nada tem a ver com o que realmente foi tratado na conversa. O falecido senador baiano Antônio Carlos Magalhães fazia muito isso e certa vez o presidente Itamar Franco deu-lhe uma bela entortada em público que desmoralizou uma bravata sua, mas isso é outra história.

Se quisesse, Fernando Henrique se elegeria muito fácil para qualquer cargo parlamentar. Também se fosse seu desejo ele teria muito poder de decisão no PSDB, podendo exercer um papel de chefão, como faz Lula no PT. É óbvio que sua opinião é de muita importância para os tucanos, mas no partido ele nunca foi além do papel de mais notável conselheiro tucano. Dos ex-presidentes que ainda estão vivos, Fernando Henrique é o único que não virou cacique político.

Independente do que penso deles, o Brasil ganharia bastante se todos os ex-presidentes tivessem um comportamento parecido com o de Fernando Henrique. Mas eles agem da forma contrária. São politiqueiros demais e de ambições pessoais mesquinhas. Não contribuem com qualidade política para o país e degradam seus partidos com suas intromissões sempre além da conta e de baixo nível político e ético. Disso Lula é o melhor exemplo (um mau exemplo, é claro). Fez um mal tão grande para o próprio PT que caso um dia os petistas acordem para isso vão chorar com a consciência do estrago.

Nesta eleição Fernando Henrique vem se comportando dessa mesma forma que relatei. Se meteu pouco no debate, mantendo sempre um respeito ao seu papel histórico. Nem as grosserias diretas do Lula e de Dilma ele responde. O tucano sabe que um ex-presidente não tem uma voz apenas individual. Quando um ex fala, ressoa sempre um eco do respeito institucional ao cargo que ocupou. Ele interfere pouco, mas quando o faz acerta na mosca. Nesta segunda-feira, falando a empresários em Fortaleza, ele fez uma ótima gozação com as trapalhadas econômicas da presidente Dilma Rousseff. “Ela merece o Prêmio Nobel da Economia, pois conseguiu arrebentar tudo ao mesmo tempo. Isso é muito difícil de fazer em economia", ele disse. E com isso arrancou aplausos de 1.200 empresários presentes e agora de toda a internet, tirando os petistas.

Ele não deixou de pedir votos para Aécio Neves, mas teve aquela conhecida sinceridade para falar da situação do candidato do seu partido. Ele acha difícil Aécio ir para o segundo turno. "Se fosse pelas qualidades dele, iria, mas a máquina federal está muito organizada para reeleger a presidente e o apelo de Marina é forte.” É disso que estou falando. Outro ex-presidente iria mentir para tentar favorecer o colega, como vem fazendo Lula, que até arma palanques e claques para suas bobajadas. Mas Fernando Henrique sai com essa. É óbvio que o Aécio Neves vai ficar bravo e é capaz até de ligar pra ele. E se isso acontecer é provável que o papo termine em risadas, porque sabe-se que numa conversa privada o ex-presidente perdoa menos ainda. E depois de desligar o telefone, Fernando Henrique vai deixar a vida ir levando. Tomara que seja por bastante tempo.
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POR José Pires

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