terça-feira, 7 de outubro de 2014

O estranho no ninho

As pessoas chegam pra mim com a questão do momento: "E então, é Dilma ou Aécio?". Durante todo o primeiro turno eu procurei escrever e fazer cartuns com a maior abrangência possível sobre o que vem acontecendo nesta eleição, trabalhando da forma que faço sempre. Buscando apontar problemas até nas situações em que tenho mais identificação ou analisando candidaturas que vejo com mais simpatia. É preciso manter o espírito crítico e jamais embarcar nas ondas que podem nos envolver nos ataques eleitoreiros que tomam conta da rede.

Três candidatos tiveram de mim a mesma simpatia, sem que eu me engajasse na campanha de qualquer um deles. Repito, não é minha função. Faço oposição ao governo, que tem à frente a presidente Dilma Rousseff. Esta é uma função essencial do jornalismo e ainda mais do humor. E minha oposição ao PT (que também fiz ao governo de Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos e tenho muito material sobre isso para mostrar) não é circunstancial. Discordo da ideologia de origem que movimenta as ações deste governo. Esta ideologia hoje é forte no PT, mas já teve abrigo em outros partidos, inclusive com a comprovação posterior de que eles recebiam ordens e até dinheiro de regimes políticos estrangeiros. Isso vem de longe e infelizmente ninguém sabe quanto tempo há de durar como um risco sobre a nossa democracia. O PT precisaria mostrar que não traz este risco, mas faz o contrário.

Os três candidatos que me despertaram mais respeito foram Aécio Neves, Marina Silva e Eduardo Jorge, evidentemente com as discordâncias normais, que coloquei com franqueza quando tive tempo para escrever e vi uma oportunidade para isso. Não é preciso falar muito sobre Marina e Aécio, os dois candidatos mais fortes da oposição. Se Marina estivesse nesse segundo turno teria o meu apoio, posição que eu tomaria a contragosto, mas de forma alguma em razão de um juízo excludente sobre ela. Em torno da candidatura de Marina juntou-se muito gente que respeito. Mas no caso dessa candidatura, creio que a minha divergência básica é exatamente o que atraiu essas pessoas. Marina trouxe nesta inesperada candidatura algumas propostas e posições políticas que contam com a minha concordância. Algumas delas, relacionadas ao meio ambiente, fazem parte da minha vida. No entanto, talvez até pelo tempo muito curto, ela não soube fazer o necessário equilíbrio entre esses ideais e as exigências práticas da construção de uma candidatura de peso.

A personalidade mais interessante desta eleição foi Eduardo Jorge, do Partido Verde. E é provável que haja uma certa perplexidade com isso que penso. Em relação a este candidato foi criada uma imagem preconcebida, sem concordância com o que realmente ele é. Por exemplo, o seu jeito de ser e a posição a favor de um tratamento do usuário de drogas fora da esfera policial trouxe, até de gozação, aquela história de ele ser maconheiro. E até isso serviu para mostrar sua categoria singular como político. Com a maior tranquilidade, ele respondeu o seguinte: "Eu tenho uma família de esportistas. Na minha casa nunca ninguém fumou nem cigarro, imagine maconha. Nós cuidamos muito da nossa saúde”. O candidato, que é médico, ainda disse que jamais "cairia numa bobagem dessas”. Esta é exatamente a minha visão, com a diferença de eu acreditar que esse tema exige mais discussão e que seja feita de forma mais equilibrada do que vem acontecendo.

O candidato do PV tem respeitabilidade como administrador na área médica. É dele a ideia inicial da introdução do genérico e da farmácia popular, duas das melhores iniciativas na saúde pública brasileira. Nos debates da televisão as melhores intervenções sobre saúde vieram dele, mas infelizmente não é de hoje que nas discussões políticas presta-se pouca atenção ao que realmente é do interesse na vida das pessoas.

Eduardo Jorge foi o que aconteceu de novidade nesta eleição, mas não deve ficar muita coisa do que ele trouxe. Somos um país de distraídos, sendo que, neste caso, além da distração existe bastante preconceito. E não é com a maconha. A implicância é com sua franqueza. Esta é uma atitude que não é bem recebida em situação alguma neste nosso país. É uma deformação antiga de personalidade sofrida pelo brasileiro, que foi estimulada ainda mais nos últimos tempos por este clima de intimidação que vivemos, onde pensar e se expressar com liberdade virou motivo de levar cacete. Em relação ao Eduardo Jorge, vi até pessoas que respeito criticá-lo por ele ter trazido ao debate questões que não contribuíam diretamente no combate ao PT, como se fizesse sentido exigir numa campanha de primeiro turno o atendimento de uma pauta tão rígida.

Nem sei ainda quem Eduardo Jorge vai apoiar. Não acharia bom um apoio dele para Dilma, mas nem isso afetaria a minha visão de que foi uma boa novidade o jeito dele, todo despretensioso e sem atitudes determinadas pela busca de um resultado imediato e eleitoral. Com já disse, é provável que nada disso fique. Mas valeu que tenha sido mostrado. E quanto ao que penso sobre o embate entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, creio que já ficou claro que sou a favor de Aécio e espero que essa opinião seja compreendida também como uma posição pragmática exigida pela grave situação atual do Brasil.

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POR José Pires

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