terça-feira, 13 de junho de 2017

Na fila por um viral açucarado


Apareceu uma novidade de consumo em Nova York que vem sendo tida como uma nova “sobremesa viral”, essas modas que se propagam pela internet. Portanto, logo deve bater por aqui. Prepare-se para entrar na fila. O negócio que está vendendo bastante é uma mistura de biscoitos (que tem que ser chamado de “cookie” para gourmetizar) servida como sorvete. A imagem da sobremesa não é grande coisa. Parece nada mais que qualquer sorvete que se vende por ai. No entanto, sua procura vem formando filas onde a espera é até de duas horas. E o estranho, é claro, sou sempre eu. Se um dia souberem que fiquei duas horas numa fila para provar um doce, me internem, por favor, como se eu estivesse viciado em crack.

A sobremesa foi inventada em uma lanchonete do Greenwich Village, ao lado da Universidade de Nova York, o que pode explicar em parte o sucesso da gororoba que virou cult. Dá para imaginar a especulação sobre o novo doce, no boca-a-boca entre os estudantes, nas redes sociais, e daí se ampliando para toda a cidade. A matéria saiu na Folha de S. Paulo, jornal novidadeiro, que por isso mesmo não investigou o mais interessante, que é como a onda começou. Porém, ao menos o jornalista procura informar o sabor da sobremesa, que para ele é muito adocicada, problema que, aliás, é de todo doce brasileiro, inclusive os que por aqui também são cultuados como altamente sofisticados.

Como se costuma dizer, já vi esse filme, em ocasiões felizmente com menos visibilidade e sem fila, quando me levaram para que o meu paladar experimentasse um prazer sofisticado e acabei tendo que comer algo doce demais, sem nenhuma textura especial e também muito caro. Infelizmente não foi em Nova York, mas em compensação serve como de justificativa. Isso foi numa cidade em que pouca coisa existe mais para fazer do que ir à shoppings ou sair de bicicleta. E isso fora da cidade. Que algo parecido ocorra em um lugar com a amplidão cultural de Nova York mostra como, no geral, nós seres humanos somos tão parecidos em nosso espírito e nossas ansiedades. Alguém já disse que de perto ninguém é normal. Pois aprofundando um pouco mais, digo que por dentro ninguém é assim tão individual.

Mas a coisa vem piorando, inclusive com o uso de tecnologias que facilitam que cada um seja seu próprio cronista social. É uma procura de novidades que parece movimentada pelo tédio, pelo aborrecimento cotidiano, quando todo programa social tem que ter muita visibilidade pessoal, onde exista a sensação da participação em algo determinante, mesmo que seja a frente de um prato de carne com legumes como qualquer outro, mas com uma decoração elegante traçada com algum creme colorido. Pode não ser mais que uma boa comida num lugar especial, o que já estaria muito bom. Mas hoje em dia exige-se mais, daí a tentativa da valorização com os selfies e posts escritos rapidamente e in loco, no atropelo de verbos, vírgulas e o que vier pela frente. Pode-se também passar horas numa fila com centenas de outras figuras essenciais da cultura ou da arte da degustação de uma novidade carregada no açúcar, como é o caso desse doce cult.

Uma observação nas filas formadas para experimentar o doce nova-iorquino permite notar que as pessoas parecem estar tomadas pela mesmo clima que se vê nas filas, também imensas, formadas para entrar na mega-exposição de um artista famoso, como as de Monet ou Picasso, que já aconteceram no Brasil. O sentimento superficial é o do encontro com uma grande revelação na ponta da fila, que não deve ocorrer com Picasso ou Monet e nem com a gororoba cult, até pelo fato de que a busca desta sensação tem a mesma qualidade tanto para lamber o doce quanto para olhar as obras de arte.
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POR José Pires

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