quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A Igreja Católica e seus predadores internos


No Chile, o papa Francisco pediu desculpas pelos abusos sexuais cometidos por padres contra crianças. Além da relação com uma questão grave da Igreja Católica em todo o mundo, seu pedido está ligado diretamente ao país que está visitando, onde é grande o número de denúncias desse tipo de abuso, com uma forte reação de chilenos organizados para exigir das autoridades eclesiásticas mais rigor contra os abusadores, com o fim do encobrimento a este grave crime.

Na chegada, o papa enfrentou protestos de ativistas que exigem maior compromisso da Igreja contra os abusadores. O estado de ânimo dos chilenos quanto a esse problema pode ser resumido no popular menos palavras, mais ação. Uma das vítimas de abuso rechaçou o pedido de desculpas de Francisco. O jornalista Juan Carlos Cruz, que denunciou há alguns anos ter sido abusado por Fernando Karadima, sacerdote de grande influência na igreja chilena, disse que são insuficientes as palavras de Francisco, já que os “bispos encobridores” permanecem em seus postos.

Uma queixa persistente quanto ao problema é o fato das vítimas não serem ouvidas pelas autoridades da Igreja, que se contentam com versões de pessoas coniventes com os abusos. Neste caso, o jornalista Cruz cita Ricardo Ezzati, arcebispo de Santiago, e Francisco Javier Errazuriz, arcebispo emérito. Em suas viagens, o papa Francisco tem se negado a receber vítimas de abusos, como em recente visita ao México. As vítimas pediram audiência e ele negou. No Chile ele mantém a mesma atitude. Segundo denúncias, cerca de 80 religiosos estão envolvidos em casos de abusos no país.

A experiência demonstra que a Igreja Católica tem sérias dificuldades em punir com rigor seus escândalos internos. Por meio de ações externas é que são revelados os problemas e se abrem canais para que as vítimas busquem justiça e sejam acolhidas até para expressar suas dores. Um caso emblemático do acobertamento histórico desse crime foi o do bispo de Boston, Bernard Law, que encobriu a ação de padres abusadores durante anos nesta cidade americana. Os crimes só foram descobertos depois do jornal The Boston Globe publicar uma série de reportagens investigativas sobre o tema. Sobre isso, foi feito um filme muito bom, “Spotlight”, que ganhou o Oscar de melhor filme em 2016. Pode ser visto na internet, com dublagem. Publico o link abaixo.

Em vez de levar os padres à justiça comum, o bispo Law apenas mudava-os de paróquia. Um dos criminosos, o padre John Geoghan, foi declarado culpado de abusar de 130 menores, nas diferentes paróquias pelas quais ia passando. Depois das reportagens do jornal de Boston, Bernard Law, que morreu aos 86 anos em dezembro do ano passado, foi obrigado a renunciar ao cargo em 2002. Na época ele também pediu desculpas, mas, como sempre ocorre, não recebeu punição alguma. Foi para a Itália. Era estreita sua relação com o papa João Paulo II, cujo pontificado foi nulo no combate aos abusos de menores.

Law não perdeu a influência na igreja. Chegou a participar do conclave que elegeu o papa Benedito XVI, em 2005, de quem era amigo desde quando este era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e atendia pelo nome de Joseph Ratzinger. Poucos anos depois de ter que sair corrido de Boston com o escândalo, Law ainda recebeu a honra de oficiar uma missa na Basílica de São Pedro. No mês passado, o papa Francisco fez questão de comparecer ao seu enterro.
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POR José Pires

Veja aqui o filme Spotlight

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