quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Anormalidades consentidas

O Brasil vive um clima de anormalidade consentida, que pode ser sentido de várias formas e é bem forte na insegurança que toma conta do país, com o impressionante número de homicídios, que vai para mais de 60 mil anualmente, além do domínio de quadrilhas sobre a vida das pessoas, a violência policial, os roubos e assaltos, enfim na violência extrema que passa por cima de qualquer regra de convivência e das leis.

Este consentimento da anormalidade faz o brasileiro conviver com os maiores absurdos, como se fossem aceitáveis, numa relação até natural com barbaridades que se instalam em nossas vidas como rotineiros eventos inevitáveis, na sensação geral de que não há outro remédio senão o de aceitar o horror como regra comum do nosso dia a dia.

Vivemos em um país em estado de sítio oficioso, que conta até com toque de recolher, em algumas localidades dependendo do bom senso de cada um e noutras em obediência a determinações de bandidos ou no temor das próprias ações da polícia. Mas quem é que pode se indignar com uma vida dessas sem ser tomado como um indivíduo situado fora de seu tempo e lugar?

Este consentimento da anormalidade pode ser sentido na forma que a imprensa traz as notícias sobre o tema da segurança. A narrativa dos crimes mais pavorosos é feita com a frieza de um boletim de ocorrência policial, sem a preocupação sequer com a opinião de autoridades da área ou de apontar ao leitor deveres e responsabilidades. O jornalismo já convive com os crimes sabendo que não haverá investigação séria e que o problema tende a se repetir, dia após dia, com a tendência sempre de piorar.

Nesta quarta-feira o site UOL trouxe uma reportagem que traz um retrato preciso desse clima de anormalidade consentida de que estou falando. A favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, vive atualmente um clima de apreensão causado pela disputa de quadrilhas pelo controle da localidade. O centro do problema é a disputa entre os bandidos do grupo do traficante Nem com a quadrilha de Rogério 157, traficante preso recentemente. Nem também está preso. E é claro que confusão criada por bandos com a chefia já pega pela polícia faz parte dessa anormalidade em que o consentimento atravessa muros de prisões que deviam ser de alta segurança, implicando, talvez, elevadas autoridades da Justiça, provavelmente até em Brasília.

Sempre é um sufoco viver em lugares dominados por traficantes de drogas, porém, por mais absurdo que seja, até mesmo isso pode piorar, com a instabilidade de uma disputa entre quadrilhas. Desde que bando de Nem tentou retomar o controle da favela, em setembro, a Rocinha convive com confrontos constantes. Movimentações suspeitas nos últimos dias levam os moradores a acreditar numa preparação em curso das duas quadrilhas para uma briga. O desespero tomou conta da favela, levando os moradores a redobrar seus cuidados. Não se sai de casa à noite e mesmo de dia é preciso mais atenção.

A matéria do UOL é muito bem feita. É uma sacada chamar de “interino” o atual chefe criminoso. É de edição competente a foto das crianças indo à escola com a parede crivada de balas. Esses jornalistas que cobrem a área policial no Rio de Janeiro fazem com competência seu serviço. Também no site G1 pode-se ler muita coisa boa que permite avaliar o problema com bons fundamentos e a vivência de perto da situação.

O UOL traz depoimentos de moradores que asseguram que deve vir uma batalha nova por aí. Sente-se também que na Rocinha não existe esperança de uma atuação dos responsáveis pela segurança pública. Para não correr ainda mais perigo, o que o povo quer é que seja logo definido quem manda na área. Anormalidade consentida, como eu disse. O tom dessa anormalidade consentida é realçado pela fala do titular da Delegacia da Rocinha, o delegado Antônio Ricardo Nunes, que nega a divisão de territórios na favela. "Quem está à frente do tráfico é a quadrilha do 157", ele garante. Pois é, a tranquilidade possível na Rocinha é a de que o pedaço tem dono.
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POR José Pires

Leia aqui a reportagem do UOL

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