Na véspera de sua prisão por corrupção, José Dirceu falou algumas coisas em uma entrevista armada por ele certamente com o fim político de amenizar o estrago que este desfecho traz à sua imagem. A entrevista foi para a Folha de S. Paulo, que costuma repassar em formato jornalístico coisas que Dirceu precisa dizer em seu favor.
Na entrevista, para afirmar que não fará acordo de delação premiada, o ex-ministro de Lula faz uma relação entre esta medida legal e a delação extraída pela tortura. Esta comparação forçada já foi feita por muitos farsantes, inclusive a ex-presidente Dilma Rousseff. Na sua fala, por sinal, em relação a isso ele cita a ex-presidente. Esse argumento lamentável é sempre usado para obter vantagem, procurando reforçar neles uma imagem de lutadores contra a ditadura militar, algo que mesmo que fosse verdadeiro sofreu uma brutal mudança: na atualidade não passam de gatunos da pior espécie, que botam no bolso dinheiro da educação, da saúde, do atendimento de necessidades básicas da população.
Dirceu falou que “a delação é a perda da condição humana”. Bem, para começar, “perda da condição humana” me parece que sofre quem rouba dinheiro público, se prevalecendo de seu poder político. No entanto, está provado que com essa condição ele não se preocupou. Quem faz isso está prejudicando a população, afetando negativamente a vida de todos e muitas vezes até matando indiretamente milhares — ou conforme o grau de poder, milhões — de pessoas. O dinheiro que vai para o bolso do corrupto fará falta em postos de saúde, hospitais, na comida da creche e da escola de crianças pobres, que não podem se alimentar bem em casa.
Mas vamos à fala de Dirceu sobre a delação premiada: “Eu fui formado numa geração em que a delação é a perda da condição humana. A maioria [das pessoas presas na ditadura] não delatou nem mesmo sob torturas que as destruíam psicologicamente, fisicamente. Muitas ficaram com sequelas e carregam até hoje aqueles tormentos, como é o caso da própria [ex] presidente Dilma”.
A delação premiada é uma opção jurídica na qual o delator está protegido pela lei e de onde ele pode obter benefícios de atenuação da pena por seus crimes. Ninguém apanha. Todo mundo é acompanhado de advogados, por sinal os mais bem pagos da praça. Evidentemente que os criminosos apontados na delação terão também seus direitos assegurados pela lei. A comparação com uma delação extraída pela tortura sob um regime ditatorial é argumento de uma falsidade absurda. A delação na época da ditadura colocava em risco de vida companheiros do torturado. Se Dirceu e Dilma sabem de algum corrupto que foi executado depois de delatado deviam fazer a denúncia já.
A relação da tortura com a delação premiada é uma infâmia grave contra quem sofreu tortura durante a ditadura, seja qual tenha sido a causa de sua prisão. Não me surpreende que tipos como Dilma e Dirceu apelem para esta infâmia. Eles fazem qualquer coisa na tentativa de se safar de suas responsabilidades. Mas me choca que não haja uma movimentação política entre a esquerda, colocando em seu devido lugar quem usa esse argumento estúpido. O que é isso, companheiro? Cale a boca.
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POR José Pires