sexta-feira, 25 de outubro de 2019

STF: crime e impunidade podem levar vantagem na decisão do tribunal

O Brasil vive patinando na conclusão de processos sociais importantes para tomar um caminho que ao menos traga certa tranquilidade para o brasileiro se ocupar de seus afazeres, dando um rumo digno para a vida. Uma grande dificuldade na atualidade é a enorme intromissão que surge o tempo todo de instituições que deveriam tomar o cuidado de no mínimo não desequilibrar áreas sob seu poder. Seria mais produtivo que já que ajudam muito pouco, deixando de cumprir suas obrigações, nem mesmo as ordinárias, que pelo menos não atrapalhem.

Políticos, empresários, organizações de trabalhadores, representantes do setor rural, a administração pública, autoridades religiosas e seus prepostos políticos, a lista de complicadores da vida brasileira vai do setor público à iniciativa privada, com uma ocupação preferencial em mexer no que vai indo um pouco melhor, embaralhando aquilo que foi relativamente organizado e está trazendo resultados sociais melhores do que a média deste país empacado pela falta de efetividade em praticamente tudo.

Parece até aquelas atrapalhações que costumamos ver em séries de televisão a forma como se estabelecem as relações sociais no Brasil. A diferença é que não é nada engraçado na vida real. Ninguém se entende. Tem sempre alguém complicando o que está indo razoavelmente bem. Sempre que algum setor vai andando um pouco melhor, depois de encontrar um jeito de dar alguma efetividade a seu trabalho, logo aparece uma porção de representantes de outros setores com propostas para complicar aquilo que está dando certo. Claro que nesta intromissão agem aqueles que foram incomodados pela transformação de qualidade.

Foi o que ocorreu com a Operação Lava Jato, um trabalho que pela primeira vez em nossa história atacou com vigor a corrupção, atendendo a uma necessidade crucial do país, que estava com toda sua energia sugada por políticos corruptos e empresários, associados em um sistema organizado que impede o uso do dinheiro público em sua função fundamental de servir ao interesse da maioria. A corrupção no Brasil já não é mais uma atividade simples de aproveitamento pessoal, com um ou outro político metendo a mão em dinheiro que não é seu. Este é o corrupto de anedota, hoje em dia apenas periférico no sistema que foi desvendado pela Lava Jato.

A corrupção no Brasil estava no caminho da inversão da ordem do próprio roubo do dinheiro público. O ladrão não age mais de fora, aproveitando-se da desatenção da máquina pública. O gatuno tem a chave do cofre e o controle do dinheiro que entra e sai. Este sistema de ponta-cabeça fez da roubalheira o centro da atividade política e administrativa do Estado. A corrupção é engrenagem definidora da própria movimentação da máquina pública. Pode-se dizer que já fazia parte não só do orçamento. Tornou-se base da própria execução de obras e serviços. Não ocorre mais apenas o desvio de percentual das verbas para o próprio bolso. A corrupção virou parte integrante do projeto e de sua execução, servindo na sustentação das forças políticas que dominam este sistema.

Foi este o ponto em que tocou o trabalho de promotores, policiais e juízes, simbolizado pela Lava Jato, daí a reação fortíssima, com influência expressiva até mesmo na mais alta Corte do país. O sistema então reage, do mesmo modo que células destrutivas tentariam rechaçar o remédio aplicado contra sua invasão e o controle de um corpo são.

A corrupção não se concentra hoje em dia no larápio político. O roubo é base de um projeto de poder, com interesses espalhados entre o Judiciário, a própria polícia em todas suas instâncias, bancas de advogados enriquecidos pelo lucrativo vai-e-vem processual, empresários, máfias que envolvem o crime organizado do narcotráfico, de quadrilhas de grandes assaltos e das milícias paramilitares. Os políticos que atuam na organização e representação deste sistema são apenas a parte mais visível do crime. E do jeito que estão as coisas, podem até não ter em suas mãos o poder de fato neste sistema.Tipos como um Lula, um Eduardo Cunha ou mesmo um José Dirceu, talvez sejam meros condutores na esfera política. Na obscuridade dos bastidores do crime esconde-se o real poder.

O retrocesso com o fim da prisão de segunda instância não se restringe à soltura de gente muito ruim da política e do crime comum, já condenados a pagar por seus crimes, seja na faixa de cerca de quatro mil ou de centenas de milhares. Mais que isso, uma decisão desse tipo pelo STF será um estímulo para a movimentação mais ágil deste sistema, com a criação de um ambiente favorável aos seus organizadores políticos, não só os que já foram presos, como aqueles que poderiam ser pegos e que na obscuridade de que falei se articulam pela impunidade.

Mais que soltar quem está preso, esta decisão livrará de prisão os corruptos. O sistema criminoso vai ganhar agilidade, com maior capacidade de organização e ampliação da sua logística de poder. Será como uma carta branca, na garantia da eternidade da enrolação politiqueira, nas gavetas da burocracia e nos lentos caminhos judiciais que raramente chegam até a porta da cadeia.
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POR José Pires


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Imagem- Foto de Fabio Rodrigues Pozzebom, Agência Brasil

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