segunda-feira, 8 de junho de 2020

A união da oposição depois da porta ter sido quebrada pela direita

É desesperador ter no comando do país Jair Bolsonaro, que além de ser um presidente de uma inoperância política e administrativa como nunca se viu antes, apresenta claros sintomas de graves problemas psicológicos. Ele é incapaz até de falar algumas palavras de consolo às pessoas próximas dos mortos pela pandemia, mais de 35 mil vítimas de uma doença devastadora, que impede que os pacientes sejam assistidos de perto pelos familiares e não permite nem os rituais funerários, proibição estendida também aos que morreram de outras causas.

Com Bolsonaro no poder tem pouca coisa mais estressante no mundo que ser brasileiro. Porém, não alivia o estresse quando a gente dá uma olhada na oposição. Os opositores de extrema esquerda estão como sempre fora de questão. Neste domingo eles foram às ruas, talvez para corroborar a sabotagem sanitária do tresloucado presidente e sua tese de que não há problema de criar aglomerações em meio a uma pandemia.

Com o país chorando seus mortos, as falências e o desemprego destruindo uma economia que já estava sem rumo antes do Covid-19, bem, com este estrago todo esta esquerda importou para cá a pauta do racismo dos Estados Unidos.

Mas tem também a oposição devidamente constituída e com histórico prático na vida pública. Esta deveria trazer mais ânimo aos brasileiros, que infelizmente não é o que ocorre. Mas vá lá, tratemos do assunto mesmo que isso não ajude a amenizar o desconsolo. A Globo News juntou em um debate o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes e Marina Silva. A conclusão da conversa é da necessidade da criação de uma frente ampla contra Bolsonaro.

Bem, até aí não há o que discordar, ainda que na minha opinião isso teria de ter sido feito logo depois da queda de Dilma Rousseff, mas naquela ocasião Ciro Gomes pelejava para ter o apoio exatamente do partido que havia sido tirado do poder depois de ter metido o Brasil na pior crise moral e econômica da sua história. Já Marina Silva estava... — mas como estava mesmo essa mulher, gente?

Ora, deixe pra lá, passemos para Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente tinha um papel honorário em seu partido, o PSDB, que já foi um partido forte, elegendo-o presidente por duas vezes no primeiro turno, para depois esfacelar-se programaticamente e no aspecto moral, implodido por incompetentes e corruptos que até hoje permanecem com seus registros partidários intactos.

Que ninguém me acuse de querer dividir a oposição. Eu até simpatizo bastante com esse negócio de “salvar o Brasil”, mas não vejo como acreditar em Fernando Henrique Cardoso, Ciro Gomes e Marina Silva liderando com sucesso uma frente ampla, seja contra quem for.

É preciso questionar a responsabilidade de cada um na origem desta crise política, não só pelo que eles fizeram, mas pelo que cada um deixou de fazer quando já se sabia que era necessário um amplo entendimento da classe política para que o país não chegasse ao estado deplorável atual. Esta percepção já existia muito antes de Bolsonaro destacar-se como provável vitorioso.

Tem também outro fato de muita importância na análise desse súbito interesse na formação de uma frente política. Os três citados são lideranças partidárias. Ciro é até um recordista em liderar partidos. Já passou por 11 siglas, se não erro na conta, de modo que na formação de uma frente já iria ajudar bastante se ele conquistasse a adesão de pelo menos metade dos ex-companheiros. Marina tem a sua Rede, que pelo menos em tese representa a parte honrosa da esquerda, no sentido de não terem metido a mão nos cofres públicos. E Fernando Henrique virou até uma lenda como o único ex-presidente vivo que não é ladrão, o que não é pouca coisa no Brasil, mas ele não é só isso. Foi também o único presidente que deixou algo de qualidade depois que saiu, além de ser reconhecidamente um articulador muito capaz.

Sendo assim, por que a trinca não começa o trabalho político por seus partidos, não só para juntá-los em uma aliança contra um adversário no poder, mas para transformá-los em alguma coisa que preste? Se forem transformados de fato em partidos já estará muito bom. Bem, se tivessem se empenhado antes nesta tarefa, com certeza o Brasil não estaria desse jeito.

Claro que cabe firmar mais uma vez que não estou aqui para dividir a oposição. Só quero ajudar para que não se caia na ilusão das conversas fáceis, de transformações levadas apenas no gogó, sem nunca se estabelecerem em medidas práticas e efetivas.
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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌

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