quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Os “Guardiões do Crivella” e outros "guardiões"

O esquema de pressão do prefeito Marcelo Crivella sobre a imprensa e a população — com o grupo auto-intitulado “Guardiões do Crivella” — pode ser risível no seu amadorismo, mas deve ser visto com toda a seriedade pelo que revela do ideário político desse pessoal que faz da mistura de política com religião um instrumento eficiente de poder e enriquecimento pessoal. A denúncia feita pelo jornalismo da Rede Globo pode ter chegado apenas até um ponto superficial de um esquema que provavelmente atua de forma agressiva em ambientes até agora fora do alcance da opinião pública.

 

A atuação dos tais “Guardiões do Crivella” não estará servindo como pressão também contra a população, para evitar um debate mais aberto sobre o mandato de Crivella como prefeito, especialmente nas faixas dos mais desassistidos? É o que pode ser notado na reportagem exibida na televisão. O método de pressão também leva a perguntar se coisas parecidas não acontecem nos subterrâneos onde impera esta cultura neopentecostal, que nem o céu parece ter como limite. Marcelo Crivella é da cúpula da Igreja Universal, sendo um dos líderes mais poderosos da corporação de Edir Macedo, com o status de herdeiro de sua poderosa máquina, até pelo fato de ser sobrinho do “bispo” ungido por si mesmo.

 

O nome “Guardiões do Crivella” remete à linguagem bíblica, ainda que na leitura sempre utilitária desse pessoal que faz ouvidos de mercador à frase “dai a César o que é de César”. A fúria dos “guardiões” do prefeito do Rio também é própria da idolatria fanática, aplicando no contribuinte mais crítico a pecha de herege e tentando calar a imprensa aos gritos. Bateram de frente com o jornalismo de alta qualidade técnica da Rede Globo, em um confronto com uma empresa que sabe se cuidar, mas onde poderão chegar com este método autoritário e impositivo de cultura de seita religiosa se a sociedade civil não confrontar a serpente?

 

Os brasileiros que se cuidem. Germina nos subterrâneos uma cultura perigosa, por meio dessas igrejas neopentecostais, que vão crescendo, fortalecidas por privilégios e a condescendência da sociedade civil quanto a sua intromissão indevida nos assuntos de Estado, na imposição gradativa de uma cultura que nem pode ser qualificada como religião. Proliferam-se e ganham dinheiro, ao resguardo do respeito às religiões, que não fazem por merecer. A falta de base teológica e histórica não permite que muitas dessas igrejas sejam vistas como algo mais do que seitas de propriedade particular.

 

A ironia com os “Guardiões do Crivella” é que se parecem bastante com grupos de pressão psicológica e pela violência, como os que existem no regime da Venezuela, que o governo chavista copiou do método comunista imposto em Cuba logo que Fidel Castro subiu ao poder. A diferença é que tanto em Cuba como na Venezuela este controle sobre a população tem respaldo em largos setores da população, sendo feito em todo o país, por meio dos Comitês de Defesa da Revolução, os antigos CDRs.

 

Essas lideranças que no Brasil misturam política com religião não conquistaram ainda por aqui um controle tão ampliado, porém é evidente sua intenção de chegar lá, impondo na administração pública uma cultura própria de suas crenças. O engajamento popular para isso, ao modo dos CDRs cubanos, já existe atualmente, mesmo tendo por enquanto influência menor. Veja-se como exemplo a rápida mobilização de grupos religiosos, entre dois estados distantes, na ocasião do aborto legal da menina de 10 anos de idade engravidada por estupro, quando se juntaram em Pernambuco, em agressiva pressão na frente do hospital, inclusive com xingamentos aos médicos.

 

Ressalte-se que as pressões começaram bem antes, no Espírito Santo, nos bastidores, com crentes, que são membros de conselhos tutelares, insistindo para convencer a família da menina a desistir do aborto.

 

Os chamado “Guardiões do Crivella” talvez sejam apenas a pontinha de um iceberg, que pode estar ainda em formação. Mas de qualquer modo esse tipo de coisa coloca em sério risco a democracia brasileira. As ações contra a imprensa foram taticamente amadorísticas, no entanto provavelmente eles devem avaliar os erros, buscando aprimorar o método autoritário. Portanto, mantém-se o perigo à liberdade de expressão e aos direitos individuais.

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POR‌ ‌José‌ ‌Pires‌


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